EMPRESÁRIO, JORNALISTA E
POLÍTICO
MÁRTIRES DA LUTA DO BEM
CONTRA O MAL.
Uma
salva de tiros, um toque de clarim, e o esquife desceu à terra. Estava lacrado,
indicando que aquele corpo fora severamente mutilado. Era toda uma vida
que se interrompia, barbaramente, naquele instante. A pungente cena se
repetiria dezenas de vezes por toda a cidade. Aquele Dia das Mães jamais será
olvidado. Foi o dia em que numerosas mães, atônitas, perplexas, desconsoladas,
se despediram para sempre dos seus filhos. A autoridade presente, o
representante da Secretaria da Segurança Pública, mal conseguia esconder a sua
comoção e o seu constrangimento. O que dizer àquelas famílias? Àquelas mães.
àquelas esposas ainda jovens, rodeadas por seus filhos crianças, agora órfãos,
na vã expectativa de minorar o seu sofrimento? Reiterar-lhes que aquele que partia
fora um herói? Que sacrificara a própria vida por um grande ideal? Não. Ele
sabia de antemão que a dor maior não se exprime em palavras. Pouco ou nada
falou. Abraçou apertadamente todos os familiares da vítima e, com os olhos
marejados, retirou-se do local. Ainda haveria, naquele dia, de repetir o seu
gesto muitas vezes mais. Mais uma salva de tiros, mais um toque de clarim, e
assim, naquele domingo, em vários campos santos diferentes, ele se faria
presente, homenageando os mártires daquele que seria marcado para sempre como o
"dia da infâmia".
Policiais,
eu não canso de dizer, não são cidadãos comuns. Nós, os paisanos, não
arriscamos nossa vida em troca de medalhas ou apenas de mero reconhecimento.
Somente os heróis o fazem, e muitos, ao tombarem, nem sequer levam consigo a
láurea do seu mérito. São os mártires, anônimos, da eterna e incessante luta do
bem contra o mal. Vivos, são vistos com antipatia. Quando morrem - quase sempre
ainda jovem - são logo esquecidos. Bastam-lhes o clarim, a carga de espoleta e
a honra de ter o seu ataúde coberto pela bandeira da Corporação. Quando criança
eu sonhava ser policial. Mas logo oportunidades mais tentadoras foram surgindo
em minha vida. Quando me deparo nas ruas com agentes da lei fardados, logo me
ocorre o pensamento: são aquelas crianças que não abandonaram o sonho. Eles são
tudo aquilo que sonhei na minha infância e que, adulto, não me aventurei a ser.
São altivos, altaneiros e carregam na farda o seu orgulho de ser. O senso de
missão, a coragem, o dever e, sobretudo a honra, são valores que lhes são
incutidos, profundamente, desde o primeiro dia de treinamento.
Honra.
Nós civis, há muito já nos esquecemos do verdadeiro sentido dessa palavra. E,
no entanto, para os policiais, é nela que se traduz todo o seu sentido de
vida. É desnecessário relatar aqui todos os covardes episódios que marcaram o
fim de semana em São Paulo. Importante, isso sim, é registrar que, apesar de
tudo, as nossas polícias - a Militar e a Civil - em momento algum se
acovardaram. "Multiplicando por mil e hum os centro e trinta de trinta de
31", reza o hino da Polícia Militar, fazendo alusão aos seus primeiros
soldados. Pois os PMs fizeram jus à canção. Desdobraram-se, multiplicaram-se e,
após dois dias de enfrentamento, lograram virar a batalha. Causaram severas
baixas ao inmigo e trouxeram a paz novamente a São Paulo. Segundo pesquisas, os
cidadãos comuns, como sempre, não reconheceram o hercúleo trabalho de nossas
polícias. Infelizmente, só quem acompanhou de perto a evolução dos acontecimentos
pode aquilatar a grandeza do que ocorreu.
Muitos
não entenderam porque o Governo do Estado recusou de pronto o auxílio federal.
São aqueles que desconhecem o poderio e os brios da Polícia Militar de São
Paulo. Com 94 mil homens, ela é, de longe, o maior, o melhor e o mais
aparelhado aparato de segurança pública do Brasil. O mesmo ocorre com a Polícia
Civil. A presença, em São Paulo, da Força Nacional de Segurança, com apenas 4
mil soldados, além de inócua, seria extremamente nociva ao moral das nossas tropas.
A PM de São Paulo é orgulhosa. Seria uma humilhação pedir socorro a quem quer
que seja. Após um primeiro dia de perplexidade, as forças policiais civis e
militares, se arregimentaram, se articularam e partiram coesas para a
contra-ofensiva. Nada de medo, receio ou covardia. Jamais se viu a polícia agir
com tamanha garra, tenacidade e determinação. Exemplo disso foi a atitude dos
soldados da Rota que, na noite de domingo, se recusaram a render guarda para o
turno seguinte. Apesar de extenuados, eles pretendiam cumprir mais 12 horas de
rondas, "até que o último bandido fosse enfrentado". Ao "dia da
infâmia" se seguiu uma das mais ferozes batalhas que as forças policiais
de São Paulo já empreenderam. Honra. Esta é palavra-chave para compreender a
dimensão do que ocorreu. A honra da PM e da Polícia Civil foi atingida. E cada
oficial, cada soldado, cada agente, todos se sentiram igualmente feridos em
seus brios. Urgia resgatar a autoridade da instituição. E todos se esforçaram
além de seus limites físicos para recobrá-la.
Lei e ordem, para alguns, não passam de um binômio
reacionário. Não é verdade. É justamente sobre esses dois alicerces que se
lastreiam todas as sociedades que se pretendem civilizadas. Não há democracia
que sobreviva sem o império da lei. Não há progresso que se sustente sem a
imposição da ordem. A lei e a ordem foram restauradas. E, assim, mais uma
página heroica foi escrita no começo desta semana. Parabéns, policiais, vocês
cumpriram o seu dever! Para descrever o momento não há palavras mais pungentes
do que as de Abrahan Lincoln, no ainda fumegante campo de batalha de
Gettysburg: "(...) Que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que
esses bravos homens não morreram em vão: que esta nação, com a graça de Deus,
venha a gerar uma nova liberdade; e que o governo do povo, pelo povo e para o
povo jamais desaparecerá da face da Terra." Deus os abençoe...
Nota: Texto
de João Mellão Neto. Título: "Uma Questão de Honra - II" de
19/05/2006.
PROFº
GILBERTO DA COSTA FERREIRA – HISTORIADOR, PESQUISADOR E ESCRITOR. COORDENADOR
TÉCNICO DO MEMORIAL GENERAL JÚLIO MARCONDES SALGADO.
cfgilberto@yahoo.com.br