terça-feira, 20 de agosto de 2013

GALEANO DE PAULA NUNES (20)



 



QUANDO SE CONVERSA COM AS FLORES



Os homens nascem, vivem e morrem como os dias. Dias há que alvorecem com todas as tintas e cantigas da primavera, e que vão se desbotando e calando, no decurso das horas. Outros que amanhecem cobertos da cinza do inverno, e que vão se enfeitando e animando, com a aproximação festiva da tarde. E outros, ainda, em que o sol fulgura doze horas, de horizonte a horizonte, e se afundam no poente numa apoteose de fogo e de cores ardentes. E os seus destinos dependem, efetivamente, menos deles mesmos do que do meio em que surgem e se desenvolvem. Dessa maneira procurei nas lembranças saudáveis de minha vida, justificar e prestar uma homenagem neste Dia dos Pais de 10 de agosto de 2013, a um grande amigo com o qual convivi por um pequeno espaço de tempo, mas o suficiente para entender que a velhice é um dos mais altos e nobres atributos da glória. É o mais belo prêmio da vida.

Refiro-me a Galeano de Paula Nunes. Para tanto, é preciso voltar os ponteiros do relógio do tempo. A pequena, mas linda cidade de Santa Rita do Jacutinga está localizada na Região Sudeste do Estado de Minas Gerais. Pertence à mesorregião da Zona da Mata e microrregião de Juiz de Fora. Apesar de contar com apenas cinco mil habitantes para uma área de 442 km2, Santa Rita do Jacutinga é abençoada por ser agraciada com inúmeras cachoeiras, rica em águas e minas, com clima ameno, noites frescas e um céu maravilhosamente estrelado. Possui uma igreja em cada bairro da cidade, tendo como Padroeira Santa Rita de Cássia e com a Matriz recebendo seu nome, a qual em 22 de maio é dedicada uma grande festa em seu louvor, com encerramento na primeira segunda feira do mês de junho.  Também encontramos na acolhedora Santa Rita de Jacutinga a famosa Igrejinha do Alto, situada a 800 metros de altura e incrustada no Monte Calvário, dedicada a Nossa Senhora Aparecida.

Naquela cidade em 17 de abril de 1926, um sábado do outono brasileiro, seus moradores recebiam de braços abertos seu mais novo habitante, Galeano de Paula Nunes, filho de Manoel da Cunha e de Rita Gracelina de Lacerda. Criou-se na zona rural da mesma cidade de seu nascimento, estudando e trabalhando para ajudar no sustento de sua família. No crepúsculo de sua juventude vem a conhecer Francisca, moradora próxima da residência de Galeano naquela localidade. Nas constantes trocas de olhares nasceria um grande amor. De um breve namoro e noivado, Galeano a levaria para o altar aos 29 de agosto de 1948, conforme constam seus assentamentos verificados no Livro B-6, folhas 123 do Registro Civil do Cartório de Santa Rita do Jacutinga. Aquele amor que prometera à sua esposa diante do Onipotente, perduraria até o último momento de sua existência. Algum tempo depois, Galeano com sua esposa e filhos, mudaram-se para São Luiz do Paraitinga-SP e aqui passou a desenvolver suas atividades de agricultor e pecuarista, primeiramente arrendando um sítio e depois, com o arrendo de outros dois sítios, veio a adquirir em definitivo aquele que seria de sua propriedade, o qual deu-lhe o nome de Sítio Camarinha, localizado em São Luiz do Paraitinga no bairro do Rio Abaixo.

Nessa cidade abençoada e berço de seus outros filhos, Galeano querido e conhecido de todos, teve momentos de muitas alegrias e momentos de profunda e marcante tristeza. Acompanhando o crescimento de seus filhos tanto físico quanto intelectual, entretanto, ficaria marcada para sempre em sua memória e de sua esposa, a perda de seu filho com apenas dois anos de idade, vitimado que foi em razão de uma meningite quando em viagem para Passa Vinte-MG, cidade onde moravam seus parentes. E ali aquela linda criança acabaria sendo sepultada. Ficara para trás, na estrada da vida. Pode-se imaginar o terrível sofrimento que passaram quando do retorno para São Luiz do Paraitinga, agora, sem aquele filho querido em seus braços. Entretanto, Galeano e sua esposa viveriam novamente momentos de tristezas, com a perda de mais um filho, vítima de afogamento quando, estando todos reunidos em seu sítio no bairro do Mato Dentro, em São Luiz do Paraitinga, não perceberam a falta daquele, que por infelicidade acabou perecendo nas águas tranquilas de um córrego que passava nos fundos da moradia. As lembranças infindas daqueles inocentes e queridos filhos, frutos de um amor incomensurável, prolongaram-se por muitos anos. Mas, para ambos a vida teria de continuar. Galeano trabalhava muito, da aurora do amanhecer ao crepúsculo do ocaso. Era um amante da natureza, aquele que sabia de um modo tão especial conversar com as flores. E dessa conversa íntima, resultava em transmitir ao seu semelhante aquilo que elas tem de mais belo, o amor!

O primogênito, José Carlos, sempre preocupado com seus irmãos e com os estudos destes, logo viria alugar uma casa na cidade de São Luiz do Paraitinga para a complementação educacional dos mesmos, em razão de não existir no bairro em que residiam, estudos curriculares de nível superior. Dessa forma, Antonio Carlos, então com 15 anos e sua irmã Rita Dulcelene  com 14 anos, passaram a residir na cidade. Todavia, as preocupações, tanto de Galeano quanto de dona Chiquinha, aumentaram, tendo em vista o problema de alimentação de ambos e as inesperadas separações. Galeano visitava-os todos os dias levando-lhes os alimentos necessários, tal como uma ave a alimentar seus filhotinhos. Assim, com a alimentação e o carinho do dia a dia, a vida continuava para todos. Com o decorrer do tempo a casa ora alugada, foi adquirida por seu pai e por José Carlos, tendo ambos contraídos um empréstimo para a aquisição definitiva daquele imóvel. Depois de algum tempo morando na cidade, Antonio Carlos e Rita passaram a trabalhar em uma padaria. E aqui, um caso engraçado para justificar esse emprego. Antonio Carlos em sua casa nos horários de folga da escola costumava brincar com Rita jogando café sobre ela e como represália, Rita jogava sobre ele a garrafa térmica. Mas Dona Chiquinha não sabe precisar quantas garrafas térmicas comprou para ambos. Coisas da infância e da adolescência. José Carlos, o filho que tanto se preocupou com sua família, estudou, trabalhou e constituiu sua família. Hoje, residente em Taubaté-SP é um competente e abnegado professor da Rede Pública. Luiz Carlos, o segundo filho na sucessão por idade, estudou na Escola São José do Mato Dentro, onde concluiu o curso primário, tendo ajudado seu pai até aos 18 anos, quando então, procurou sua independência, arrendando um sítio no bairro de Sertãozinho, em São Luiz do Paraitinga. Depois, outros sítios seriam arrendados, dentre eles, o de seu tio Emílio, por parte de sua esposa. Luiz Carlos, após dedicar sua vida no campo por muitos anos, muda radicalmente de atividade, culminando por dedicar-se à vida na cidade e como consequência seu emprego na Ford Brasil, em Taubaté, como metalúrgico, lá trabalhando por quatro anos.

Mais tarde, sentindo novamente a saudade do campo, distante de sua família e devido seu pai encontrar-se cansado para as atividades laboriosas da área rural, vem a arrendar o sítio Camarinha, de seu pai, passando a comandar e a enfrentar a nova atividade, antes, uma constante em sua vida, a pecuária leiteira. Luiz Carlos foi casado e de seu matrimônio nasceram seus três filhos. Antonio Carlos como seus irmãos, fez do trabalho e dos estudos, a razão de viver. Foi professor da Rede Estadual, foi Oficial de Justiça e atualmente é Promotor Público na cidade de Taubaté, com uma extensa folha de serviços prestada ao bem de toda  coletividade. Esteve a serviço da ONU no Timor Leste, para participar do Grupo de Trabalho para preparar os projetos de Legislação para o Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar de Timor Leste em 2005/06. Casado com Daniela tem uma filha, a linda Florência, que foi gerada no Timor Leste, mas, nasceu no Brasil, em Taubaté-SP. Também, Antonio Carlos tem três filhos do primeiro relacionamento, que, como costuma dizer "... todos os filhos são os amores de minha vida".


Rita Dulcelene foi professora e atualmente ocupa o cargo de Diretora de uma escola da zona rural de São Luiz do Paraitinga. É solteira e tem um filho. Dona Francisca, Chiquinha para todos nós, mãe maravilhosa e dedicada à família, é uma mulher muito querida por todos. Recebeu do Criador a dádiva de poder ver crescerem seus filhos e presenciar a multiplicação do sangue de seu sangue. Foi uma Níobe ao sofrer com o falecimento de seus dois filhos ainda crianças, e depois com o morte de seu marido Galeano. A ela podemos defini-la com as palavras de Dom Ramón Angel Jara, Bispo de La Serena, Chile, e tradução de Guilherme de Almeida: "Uma simples mulher existe que, pela imensidão do seu amor, tem um pouco de Deus; e pela constância de sua dedicação, tem muito de anjo; que, sendo moça, pensa como uma anciã e, sendo velha, age com as forças todas da juventude; quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda os segredos da vida e, quando sábia, assume a simplicidade das crianças; pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama e, rica, empobrecer-se para que seu coração não sangre ferido pelos ingratos; forte, entretanto, se alteia com a bravura dos leões... quando crescerem seus filhos, leiam para eles esta página...". Por isso, mulheres como Dona Chiquinha, quando sofrem assim, afrontam a dor e ficam acima da Humanidade. Galeano teve sua vida voltada toda ela para sua família. Fazia de todas as manhãs o seu passatempo predileto: cuidar dos animais, das plantas e, principalmente, de suas flores, daí a razão de seu filho Antonio Carlos atribuir o nome de Florência à sua filha,  em sua homenagem. Entretanto, por desígnios do Criador, Galeano não pode enlevá-la em seus braços, por não ter a oportunidade de conhecer aquela pequenina boneca de carne.


E, no Hospital São Lucas, em Taubaté, naquele dia 15 de abril de 2006, as 13.40 h seus olhos se fechariam para sempre, conforme Certidão de Óbito de nº 30408 de 18 de abril de 2006, inserida no livro C-51, folhas 260 e atestada pelo Dr. Antonio Carlos Costi, foi-lhe atribuído como causa mortis, parada cardio-respiratória, infarto do miocárdio, linfoma não-Hodgkin. No dia 16 de abril, às 10.30 horas Galeano de Paula Nunes foi sepultado no Cemitério Municipal de Taubaté-SP, no Jazigo Perpétuo da Família, à Quadra 18, Sepultura nº 42, antiga 221. Seu caixão estava repleto de flores, as mesmas flores que um dia, com elas, conversava sobre o amor.
Requiescat in pace, meu querido, meu velho, meu amigo!


PROFº GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR, PESQUISADOR E ESCRITOR. COORDENADOR TÉCNICO DO MEMORIAL GENERAL JÚLIO MARCONDES SALGADO.
cfgilberto@yahoo.com.br

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