UMA ALMA GENEROSA E DE
MUITA PAZ
Na última semana do mês de março de 2000,
caminhando pela Praça Dom Epaminondas, em Taubaté-SP, e ao encontrar com amigos
que como eu vão se manifestar do cotidiano de nossas vidas, fui tomado de
surpresa pela triste notícia do falecimento de um grande e estimado
amigo, Leone Marchtein. E logo o revi, com os olhos da imaginação, como o
via, invariavelmente, sempre defronte à sua loja de móveis da Rua
Visconde do Rio Branco a cumprimentar a todos que por ali passavam. Alto, muito
bem vestido, dando mostras de sua origem russa, Leone Marchtein era um
gentleman, um amigo desses que se encontra de século em século. E dentro
dessa pessoa, quanta cortesia, quanta bondade, quanta paz! Sim, paz! Porque sua
maior virtude era a de transmitir a paz a quem quer que fosse, de um mendigo ao
seu melhor amigo. Filho de Luiz Marchtein e de Raquel Marchtein, judeus russos,
nascera aos 19 de abril de 1920, uma terça feira da primavera em
Kames-Podolak, na Rússia. Contava-me que suas recordações sempre o levavam até
aquela região, onde, juntamente com outros meninos, brincava com seu trenó na
neve. Foram momentos marcantes em sua vida, transportadas depois, para um outro
Continente totalmente diferente em seus usos e costumes. Mas, aquele menino,
também judeu russo, logo daria continuidade à sua infância maravilhosa,
conquistando novas amizades e se adaptando rapidamente ao Continente Sul
Americano e a um clima situado entre os Trópicos de Câncer e de Capricórnio,
completamente antagônico às suas origens.
Sua família, desembarcando no Porto de São
Sebastião, no Rio de Janeiro, dirigiu-se à cidade Sul Fluminense de Barra
Mansa, onde começaram a traçar a caminhada de suas vidas. Há indícios de que a
escolha para essa cidade fora casual, talvez influenciado por outro
passageiro durante a viagem ao Brasil. Foram tempos de difíceis adaptações, em
razão principalmente do novo idioma a ser enfrentado. De uma família composta
de seis irmãos, e apenas uma mulher, alguns anos depois, seus pais se mudariam
para Taubaté, à época, a mais importante das cidade do Vale do Paraíba
Paulista, porém, três de seus irmãos lá permaneceriam, estabelecendo-se,
constituindo suas famílias e dando continuidade às suas vidas. Em Taubaté,
Leone passou a exercer a profissão de vendedor de roupas feitas, primeiramente
vendendo a domicílio e depois em sua própria casa, situada na Praça Monsenhor
Silva Barros, nº 81, sendo que ainda em sua residência abriria uma pequena
loja, adaptada em um dos cômodos. Dessa maneira viria a se destacar como um
hábil comerciante, onde, sua marca registrada estava justamente estampada em
seu perfil de homem íntegro, educado, leal, e, acima de tudo, honrado.
Na década de 50, decidido como sempre fora,
conheceria aquela que seria a grande inspiração e o grande amor de sua vida,
Helena, uma moça muito bonita, gaúcha de Porto Alegre, e residente em
Taubaté. Também nessa mesma década Leone despontaria como um grande
cantor de canções românticas. Dono de uma linda voz era um fã incondicional das
músicas que tocavam os corações, dentre eles, Orlando Silva, Nelson Gonçalves,
Carlos Galhardo e Cauby Peixoto, bem como um fã ardoroso de Anacleto Rosas
Júnior, este, um compositor de escol das lindas canções de nossas raízes e
interpretadas pelos maiores cantores de nosso país. Certa vez, conhecedor
de sua predileção por músicas românticas, perguntei-lhe se havia alguma em
especial. E a resposta veio de maneira fulminante: gosto muito de Carlos
Galhardo e as músicas "A última inspiração" e
"Fascinação" são as preferidas. Leone interpretava as canções
românticas de uma maneira muito especial, cantando-as com a alma inspirada de
um jovem apaixonado.
Entretanto, por obra do destino e o destino não
acontece por acaso, viria a conhecer João Bonani, o nosso sempre querido,
bondoso e conhecido J. Bonani, que com seu pai tinha um programa na Rádio
Difusora de Taubaté no início dos anos 50, e onde eram exibidas as mais
variadas canções e apresentações de cantores. Aliado a esse detalhe da amizade
entre ambos, Leone faria um pedido, quase por clemência para que o ajudassem a
conquistar o coração de uma moça chamada Helena, com o intuito de que uma
varinha mágica pudesse alcançar Cupido e fazer despertar naquela Bela
Adormecida o amor que nutria por ela. Para tanto, solicitou a ambos que o
deixassem cantar e desse modo poderia oferecer a música escolhida para aquela
que mais tarde seria sua esposa. Também, em outras ocasiões, e sempre por intermédio
desses amigos locutores, oferecia-lhe algumas canções e até alguns ensaios de
serenatas acabariam por acontecer, contribuindo dessa forma para alicerçar,
somar e concretizar o “tão sonhado, acalentado e inspirado desejo”: o amor de
Helena.
Um dia, seus olhares se cruzariam e dentre eles
surgiria um grande amor. Assim, após algum tempo de namoro e noivado, viriam a
se casar em Taubaté, primeiramente no Civil, no dia 1º de fevereiro de 1953 e
uma semana depois no religioso, dia 08, na Sinagoga Centro Israelita de São
Paulo, localizada na Rua Newtom Prado, nº 76, Bairro da Luz, em São
Paulo. Estávamos em pleno verão e há uma semana dos festejos
carnavalescos. Os lugares para a tão decantada Lua de Mel, não
poderiam ser melhor escolhidos, tendo como palco a então Capital Federal do
Brasil, Rio de Janeiro e a assistirem de camarote e bem juntinhos do
famoso Hotel Glória, a magia do carnaval brasileiro. Depois iriam para
Petrópolis, naquele Estado, importante e histórica cidade da Região Serrana
Fluminense, onde, no famoso e aconchegante Hotel Cassino Quitandinha
continuariam desfrutando de suas alegrias. Por fim, para concluírem seus sonhos
viajariam até São Lourenço, das águas milagrosas das Minas Gerais, onde
acabariam por selar aquela união de muito amor e carinho.
Nos negócios, Leone mudaria do ramo de roupas
feitas para o de móveis, devido à influência e incentivos de seu irmão
Manoel, um competente comerciante de móveis no bairro da Mooca, em São
Paulo. Para tanto, inauguraria a acolhedora e próspera Loja de Móveis Carioca,
nome esse em homenagem ao habitantes do Rio de Janeiro e que um dia
recebera sua família de braços abertos. Sua clientela era grande devido ao
atendimento dispensado com carinho e apreço que Leone dedicava aos seus clientes.
Pessoa dotada de uma paz interior imensa e que se estampava em seus olhos, era
a extensão na maneira pela qual a todos transmitia. Era o espelho da
bondade, a alma caridosa que procurava estender as mãos ao seu
semelhante. Sempre sorridente, solidário e muito prestativo, Leone era a
expressão do amor em toda sua plenitude. Um homem de paz voltado para a paz! E
daquele sagrado casamento, os frutos seriam colhidos para a alegria da Família
Marchtein, com os nascimentos dos queridos e diletos filhos Valdir Jacob,
Rosângela, Sueli, Denise, Sérgio, Raquel, Célia, Paulo e Sandro.
Por desígnios do Todo-poderoso, no dia 27 de agosto
de 1991, Paulo ficaria para trás na estrada da vida, com apenas vinte anos de
idade. Jovem, bonito, inteligente e um promissor engenheiro, logo viria a
sucumbir diante de uma leucemia precocemente detectada, mas que não conseguiria
vencê-la. Um doloroso e triste momento para a Família Marchtein. Mas a vida
teria de continuar, e, as lembranças sempre saudosas daquele moço cheio de vida
e de esperanças serviriam para o alento e continuidade de suas vidas. Como
reconhecimento de sua contribuição ao engrandecimento cultural de Taubaté, a
Câmara Municipal, através da Lei 2764, de 17 de dezembro de 1993 viria a
homenageá-lo postumamente com a denominação de "Rua Paulo Rotband
Marchtein - Universitário", localizada no Loteamento Santa Inês, Bairro do
Barranco.
Com o passar dos anos, Leone e Helena começaram
sentir a inevitável separação física de seus filhos e seus
distanciamentos, que, como eles um dia, viriam a constituir suas
famílias. Leone, já alquebrado pelo peso da idade, passou a enfrentar problemas
de saúde, acometido que estava por uma insuficiência cardíaca, motivando com
isso, sua internação no Hospital São Lucas, em Taubaté. Em 17 de março de 2000,
a 01.15 h. veio a falecer vitimado que foi por uma parada cardiorrespiratória
irreversível, insuficiência cardíaca descompensada e dupla lesão aórtica, sendo
o óbito atestado pela Dra. Maria Aparecida Nogueira de Barros, CRM 45.940.
Seus olhos se fechariam e seus lábios se emudeceriam para sempre.
Entretanto, deixaria como legado para todas as gerações que a paz fosse
disseminada e que o amor ao próximo se tornasse uma constante. Leone
Marchtein foi sepultado no dia 18 de março de 2000, por volta de 16.00
horas, no Cemitério Israelita, situado no Bairro de Butantã, em São Paulo.
Como reconhecimento de seu trabalho em prol do engrandecimento de Taubaté, a
Câmara Municipal pela Lei nº 3728, de 19 de dezembro de 2003, denominaria como
homenagem póstuma "Rua Leone Marchtein - Cidadão Prestante",
localizada no Jardim Marlene Miranda, no Bairro do Itapecerica. A saudade
imorredoura, as lembranças infindas e sua passagem entre nós, nos
confortam e nos completam com a certeza do Reencontro Prometido
nas Sagradas Escrituras. Requiescat in pace, meu
grande amigo e irmão Leone. Até um dia!
PROFº GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR,
PESQUISADOR E ESCRITOR. COORDENADOR TÉCNICO DO MEMORIAL GENERAL JÚLIO MARCONDES
SALGADO.
cfgilberto@yahoo.com.br
Parabéns pela Bela História e Demonstração de Amizade pela Memoria do meu Querido Pai - 05/08/2013
ResponderExcluirUma Dissertação Fiel e repleta de sabedoria e detalhes de um Grande Amigo e Escritor. Parabenizo o Autor pela Fidelidade e Fidedigna história sobre o meu Querido Pai Leone Marchtein que tantas Saudades deixou.
Waldir Jacob Rotband Marchtein
Muito Bonito!!! - 05/08/2013
ResponderExcluirLinda e merecida homenagem ao Sr. Leone (Leib) Marchetin Z''L, esposo de minha tia avó, Helena (Rrayeh Marym) Rotband Marchtein. Que seus descendentes continuem a dar alegrias (Narres) e que o Sr. Leib continue nos influenciando com seus ensinamentos!
Samuel Rotband Berenstein Grinspun
Saudades - 05/08/2013
ResponderExcluirlinda homenagem ao meu tio, adorei.
Suely Rotband Fischer
Homenagem maravilhosa!!! - 04/08/2013
ResponderExcluirProf. Gilberto, muito obrigada pela linda dedicatória feita para meu pai, realmente uma história emocionante e que, com certeza, merece ser contada para que todos possam partilhar dessa linda caminhada por ele feita aqui entre nós.
Denise Rotband Marchtein
Belas palavras! - 04/08/2013
ResponderExcluirProf. Gilberto, foi emocionante a forma como uniu as palavras para trazer tão belas memórias de meu pai. Obrigada pela gentil iniciativa em nome de toda a família. Abraços.
Raquel R. Marchtein Santos