segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

MANOEL ACIOLY BASTOS (59)



MILITAR


 DIÁRIO DE UM HERÓI BRASILEIRO

"... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta".



CONSIDERAÇÕES 


“Quis o Senhor do Destino, que decorridos sessenta e nove anos após o término da Segunda Guerra Mundial, tivesse a grande honra de ser o escolhido dentre tantos outros escritores de renomes, a transcrever para a posteridade a epopeia vivida por um herói, o Sargento do Exército Brasileiro Manoel Acioly Bastos. Seus feitos nos campos de Batalhas e registrados na historiografia militar foram determinantes para os rumos do nosso país, culminando com o fim do regime ditatorial imposto à época pelo Estado Novo e a consequente implantação do regime democrático. Que seus descendentes se sintam orgulhosos e honrados por tão nobre causa”. Prof° Gilberto da Costa Ferreira.



DISCURSO


"Pracinhas da Força Expedicionária Brasileira, vós sois os mais bem-vindos soldados da Terra, pois que sois os nossos soldados. Perdoai não vos terem deixado marchar, em nome da emoção que a vossa volta nos causou. Estais finalmente em casa e isso nos entusiasma, porque voltastes para participar também da grande marcha do Brasil para a democracia. Honra, e mais honra, e muita honra, que a honra é vossa! Honra a vós atacantes de Castelnuovo, Monte Castelo e Montese, que propiciastes a vitória da democracia fora e dentro de nosso país! Honra a vós homens do povo do Brasil que enfrentastes na neve o fogo do ódio inimigo! Honra, e mais honra, e mais honra ainda! A cidade vos recebe como os mais queridos filhos. Sede bem-vindos, pois que sois os mais bem-vindos de todos os soldados de todas as pátrias, filhos deste solo pacífico, que vistes a morte de face, e que retornastes para uma pátria feita mais consciente. Bem-vindos pracinhas do Brasil".  (Vinícius de Morais). 


ESPERE POR MIM.


"Espere por mim, que voltarei! Mas é preciso que espere com fé e de todo o coração! Espere por mim, na tristeza infindável dos dias de chuva. Espere por mim, nas horas uivantes em que a neve cai. Espere por mim, na ânsia sufocante que vem do calor. Espere por mim, mesmo que todas as outras que esperam por outros, já tenham cansado de esperar. Espere por mim, espere sim, que hei de enfrentar a morte ... mas voltarei!.    (Konstantin Simonov).


A PARTIDA E A TRISTE DESPEDIDA.


A 1º de junho de 1944, às 3.30 horas da manhã, estava eu subindo a escada de bordo do navio transporte americano Gen. Man; no dia 2, pela manhã, fizemo-nos ao mar; a 1ª Turma de Expedicionários deixava o porto do Rio de Janeiro com destino ignorado (só conhecia o destino o nosso comando supremo). Entre eles encontravam-se alguns tristonhos, com certeza os casados e que tinham filhos, pois, não sabiam se ainda viriam estes entes queridos. Durante todo o 1º dia de viagem fiquei deitado a ler os métodos de transportes empregados na guerra moderna, assim como o funcionamento dos novos aparelhos de campanha, os quais me foram apresentados no centro de instrução especializada no Rio de Janeiro, durante os dois meses que cursei aquele centro. Junto à minha cama ficava um meu cabo, radiotelegrafista, o qual infelizmente não voltará comigo, pois, morreu na região de Morano (Polazzo).   Para que seja conhecido por todos que lerem a minha vida no front, deixo aqui o nome deste meu ótimo auxiliar, que deu a vida pela liberdade, não só de nossa pátria, com o pelo mundo. Era ele o cabo Piton (José Piton).

A LINHA DO EQUADOR.
No dia seguinte, às oito horas mais ou menos, subi ao tombadilho, a fim de apreciar o mar e assistir os treinos dos metralhadores antiaéreos americanos. Todos os dias havia esse exercício: um avião passava sobre o navio a uns 400 metros de altura rebocando um alvo, sobre o qual a artilharia antiaérea e as metralhadoras abriam fogo, fazendo-o em pedaços. Era para nós um ótimo espetáculo e ao mesmo tempo estímulo contra os aviões inimigos, que porventura viessem-nos atacar quando atingíssemos seus raios de ação. Logo no outro dia subi novamente ao tombadilho. Aí encontrei o primeiro peixe, o qual foi transmitido por um cabo que trabalhava junto ao Estado Maior. Disse-nos ele: - olha, velhinhos, agora mesmo ouvi um major dizer que íamos desembarcar em Dakar e seguir para os campos onde houveram as diversas batalhas com os alemães e que passaríamos três meses nos preparando para os campos  de batalha da Europa. Três ou quatro dias depois, um sargento intérprete nosso, nos disse que o oficial americano tinha dito a outro que íamos a Nápoles, porém, não acreditamos porque já estávamos saturados de peixes. Ao passarmos pela Linha do Equador, houve a bordo uma espécie de carnaval, pois, é histórico na Marinha essa brincadeira. Chamam de batismo: jogam água em todos que atravessam aquela linha imaginária pela primeira vez. Dias depois houve novamente a bordo uma pequena festa, motivada pela Independência dos Estados Unidos, durante a qual nos foram distribuídas dez carteiras de cigarros “Chesterfield”. Foi-nos foi também permitido comprar algumas gulodices na cantina de bordo, o que veio salvar a situação de 20% dos nossos companheiros que estavam de cama, enjoados e que comiam coisa alguma, a não ser doces, maçãs e chocolates.

AS BOAS VINDAS DO EXÉRCITO AMERICANO E DO POVO ITALIANO.
A vida a bordo ia se tornando quase monótona, quando depois de já onze dias de viagem (no dia 13 às 13.40 horas mais ou menos) se nos apresentou à frente uma espécie de nuvem, a qual foi se tornando mais negra, ao passo que nos íamos aproximando. Um colega que tinha à mão um binóculo dirigiu-o naquela direção e gritou com uma alegria como se fosse a de um náufrago: Terra! Na mesma ocasião todos fizeram ecoar a mesma palavra: Terra! Do outro lado do navio todos vieram em carreira ver aquela forma de terra africana (pois, era o continente africano que estávamos vendo, agora a olho nu). Ao ver nitidamente aquelas costas, me deu a impressão de que eu estava contemplando uma terra em que jamais choveu. Continuamos ali vendo vilazinhas brancas à beira do mar, até que horas depois vimos à nossa frente a grande fortaleza de Gibraltar, porta do Mediterrâneo, que os nossos inimigos não conseguiram se apoderar. Entramos no Mediterrâneo (cemitério da esquadra de Mussolini). Agora víamos terra dos dois lados, pois, estava à nossa direita a tórrida África e à nossa esquerda a incendiada Europa pela política e pelas tropas aliadas, junto às quais íamos lutar a fim de libertar aquele velho continente. Na manhã seguinte recebemos pelo alto falante de bordo, o comunicado do nosso comandante supremo que íamos com destino a Nápoles, tendo também, nos sido dadas as instruções de como nos devíamos comportar a respeito de informações para o inimigo. Logo após nos falou também o chefe do serviço de saúde, nos orientando como proceder a respeito à mulheres daquela grande cidade. Finalmente na manhã de 16 de junho avistamos Nápoles e à embocadura da baía vi uma rocha isolada parecidíssima com a cabeça de Mussolini. Dava até a impressão que algum escultor tinha-a transformada no busto daquele chefe fascista. Mais adiante, à direita, destacou-se às nossas vistas o Vesúvio com sua cortina de fumo a encobrir sua cratera. O porto estava então protegido contra bombardeios aéreos por numerosa barragem de balões cativos. Quando nos aproximamos do porto casualmente, ao olhar  para um  destróier que  ia a nossa  esquerda, vi  que aquela unidade transmitia uma mensagem ótica ao nosso comando supremo, a qual dizia: “Este comando deseja-lhes felicidades no desempenho de sua missão”. Neste momento veio ao nosso encontro, em uma pequena lancha, os correspondentes de guerra brasileiros e os demais aliados. Ao meio dia mais ou menos, recebemos ordem para desembarcar, e como o capitão comandante do nosso compartimento não estivesse no momento, assumi o comando e desembarquei com todos. Numerosos caminhões aguardavam os nossos sacos “A”. Entregamo-los e entramos em forma, a fim de seguirmos para a estação e embarcamos para o nosso acampamento. Durante nossa marcha pela cidade ouvimos diversas vezes os italianos perguntarem se éramos prisioneiros tedescos (nossa farda assemelha-se muito com a dos nazistas). Ao saberem que éramos brasileiros, gritavam: Brasilians! ...Brasile é buono, multo café e zuchero, quando finiche l guerra em vie Brasile, perche muito mangiare el poço labore. Assim seguimos para a estação, embarcamos em um trem subterrâneo que nos levou à história desta cidade. Seguimos a pé para o nosso acampamento. Era este situado numa antiga cratera de um vulcão extinto, onde há muito tempo vinha sendo o campo de caça do Rei Vittorio Emmanuel. Chegamos ali às cinco horas mais ou menos. Não tínhamos comido nada, tanto que nos deram as (depois famosas) rações “MT”, comemos como se fosse uma das melhores comidas Esta ML é uma lata que contém carne picada, batatinha, abóbora e feijão. Depois que acabei de comer fui arranjar um lugar para me deitar e passar a noite, o que encontrei com facilidade. Era uma espécie de balcão. Quando eu estava estendendo minhas mantas para me deitar, chegou o compadre Sebastião e eu dei um canto no meu balcão para ele. Deitamo-nos e duas horas depois, mais ou menos, eu acordei e vi numerosos jatos de luzes a percorrer os céus e momentos depois ouvi o ronco dos motores de aviões seguidos do troar da artilharia antiaérea. Eram os alemães que tendo sabido que tínhamos desembarcado em Nápoles e julgando-nos ainda naquela cidade, vieram nos fazer uma visita, num esforço supremo para nos desmoralizar. Todos no acampamento acordaram, sendo grande a algazarra, pois, recebemos aquilo com alegria. Passados uns dez minutos os aviões inimigos vieram em nossa direção, sendo então perseguidos pelos projetores e artilharia que guardavam nossa cratera, tanto que voltou novamente o silêncio ao acampamento. No dia 17 continuamos a comer a velha ML, pois, só recebemos os fogões e gêneros três dias depois. No dia 18 fui escalado de ronda de meia noite às três da manhã, e como estivesse sem sono fiquei conversando com Sizenando e o Paulo, este um estudante de medicina de São Paulo, que estagiou comigo no Centro de Instrução Especializada no Rio de Janeiro. À meia noite recebi o serviço e eles foram se deitar. À uma da manhã eu encontrei com um carro da nossa polícia que andava procurando um louco que tinha fugido do campo de concentração que ficava vizinho ao nosso acampamento. Ali havia alemães e italianos fascistas. Disseram-me os policiais: Sargento fugiu do campo de concentração um alemão. Dizem que está louco e até agora não o encontramos. O senhor chame alguns homens para nos ajudar a dar uma batida neste bosque, onde, talvez o encontre. Eu fui até onde estava o plantão e saí com ele. Procuramos até as três horas da manhã, porém, sem resultado. Ao voltar entreguei o serviço ao meu colega e avisei-o a respeito do foragido.

A DOENÇA INESPERADA.
Ao me deitar senti uma pequena dor acima do peito, à direita, a qual quando eu espirrava se prolongava como uma seta até ao final do pulmão. Ao amanhecer continuava um pouco mais forte. Fui até ao posto médico e lá recebi algumas pastilhas de cor negra para chupar, a fim de evitar a tosse, pois, esta já tinha se apresentado. Durante o dia passei um pouco melhor, porém, à noite foi aumentando de forma tal, que às onze 11 horas já resistia com grande dificuldade. O compadre Sebastião, que estava comigo na barraca e notando a minha desinquietação perguntou-me o que eu sentia. Então eu lhe contei tudo, desde a noite anterior quando a dor tinha se apresentado. À uma hora senti que quando escarrava ficava em minha boca um sabor esquisito. Peguei o fósforo, acendi uma vela e grande foi o meu espanto ao ver que em uma lata onde eu escarrava havia bastante sangue. Às três horas não pude mais resistir, levantei-me como um louco e segui na escuridão, quase sem poder andar. Cada passo que dava a dor era tal que eu gemia. Quando encontrei o posto o capitão médico disse-me: Meu filho! Sinto muito porque nada posso fazer no momento, nem um copo para aplicar uma ventosa tem aqui. O único remédio que temos é cafiaspirina. Pegue quatro. Tome duas agora e daqui há duas horas tome as outras duas. O meu desânimo foi tal que saí dali invetivando em altos meu comandante, os americanos em tudo enfim sobre a terra. Não pude entrar mais em minha barraca. Amanheci o dia encostado a uma árvore, pois, já quase não podia respirar. Às oito horas foi a visita médica e baixei ao hospital imediatamente, só escarrando sangue. Quando eu segui para o hospital, o meu comandante de Companhia, Senhor Capitão Castro e Silva seguiu-me e pediu às enfermeiras e médicos brasileiros que fizessem tudo por mim (segundo me disse uma das enfermeiras). Que eu era o braço direito dele, tanto que aqui agradeço ao meu comandante o esforço que fez por mim, para que eu me restabelecesse o mais breve possível. A gravidade de minha moléstia era tal, que o capitão voltou ao acampamento mandou que pusessem tudo o que era meu no sol e que desarmasse minha barraca e que o compadre Sebastião saísse imediatamente daquele local. Disse mesmo a toda Companhia: Tenho dó do Acioly, um menino tão bom, casado, com filhos e segundo eu soube ele está tuberculoso. Esta notícia correu imediatamente todo o acampamento. No hospital fui examinado por um médico americano que falava bem o espanhol. Disse-me então que eu estava com uma pneumonia aguda e mandou que me dessem imediatamente oito penicilinas, de quatro em quatro horas. No outro dia, pela manhã, eu quis fazer a barba, porém, os enfermeiros não consentiram que eu a fizesse, dizendo-me que eu não podia fazer esforço. Uma loura chamada Carmen foi quem fez a minha barba e uma massagem em cima do pulmão. Passei ainda este dia e o outro escarrando sangue, porém, já no quarto dia meu escarro tinha a cor de tijolo e no quinto dia o escarro era normal. Passei mais quatro dias em observação e repouso, tendo tido alta no dia 28 de agosto, sob o espanto geral das enfermeiras e médicos, dizendo eles que ainda não tinham visto um restabelecimento tão rápido como o meu, pois, no mesmo hospital havia diversos companheiros meus que tinham baixado ao hospital de bordo durante a viagem com pneumonia e que não era tão grave quanto a minha. Durante minha estadia no hospital escrevi várias cartas à Filhinha, dizendo que continuava com saúde; pedi a ela que mandasse todos os meses uma fotografia dela com as crianças, pois tinha receio que procedesse como eu. Quando cheguei ao acampamento a admiração foi geral, pois, lá corria a notícia que eu tinha morrido. 

COMEÇAM OS AVANÇOS.
No dia 2 de agosto, às 5 horas, abandonamos a velha cratera. Ficava ela situada a 4 quilômetros do novo acampamento e seguimos com destino a Litoria, onde chegamos às 20.00 horas. Esperava-nos na estação um comboio rodoviário americano. Embarcamos e seguimos às 23 horas com destino a Fornari, ao sul da Tarquínia, aonde chegamos às 08.00 horas da manhã seguinte. Durante essa viagem vi diversas cidades completamente arrasadas. Não se via uma única casa intacta. Ao passar em Roma notei que não havia destruição. Assim que cheguei ao acampamento cuidei de armar minha barraca e como eu estava com minha turma de rádios telegrafistas já separada, juntei minha barraca à do Cabo Gulati e Soldado Wellington. Nesta época recebíamos o velho cigarro estoura peito (Yolanda) e como não pudesse fumá-lo, jogávamos o sete e meio com eles. Era essa a única diversão nossa. Nas imediações do acampamento era perigoso andarmos porque havia muitas minas. A uns 200 metros da nossa barraca tinha diversos túmulos de alemães. A oeste, a uns 400 metros, ficava o cemitério militar dos aliados. Passados alguns dias recebemos o material de transmissão. Cuidei então do preparo dos meus rádios telegrafistas. Um domingo eu combinei com o Telmo (era o chefe técnico das transmissões) para irmos a Tarquínia (distava do acampamento dois quilômetros mais ou menos) visitarmos a cidade e conhecer as obras de arte, pois, aquela cidade é milionária. Munimo-nos de ração M1 (escapoletos, como chamam os italianos) e partimos dispostos a passarmos todo o dia passeando. Assim que chegamos à cidade uns 15 ou 20 garotos nos acompanharam pedindo caramelos e chocolate. Como tínhamos levado desta gulodice distribuímos à gurizada. Quando estava escrevendo esta página chegou à porta de minha barraca um garoto e me pediu alguma coisa para comer, pois, estava com forme. Como eu tinha uns biscoitos, pão e carne que tinha trazido do rancho, mandei-o que se sentasse e que comesse. Perguntei quantos anos tinha. Tenho oito. Tem mamma e babbo? Não. Como se chama? – Antonio. E continuou dizendo que vivia com a tia e que a mamma e o babbo tinham morrido na guerra. Então eu pensei nos meus filhinhos e minha esposa e juntou-me lágrimas nos olhos. Antonio foi embora e jamais esquecerei aquela criança que Mussolini infelicitou. Andamos visitando igreja e museus. O último museu que visitamos tinha sido atingido por uma bomba aérea aliada, tendo danificado diversas esculturas. Perguntamos ao administrador do mesmo como tinha caído aquela bomba ali. Ele então nos explicou que onde tinha sido atingido era onde estava o quartel general alemão e que diversos oficiais superiores nazistas tinham perecido. Adiantou-nos ainda que patriotas italianos tivessem dado aos aliados a localização do referido Q.G.  Já era mais ou menos uma e meia da tarde quando chegamos em frente a um forno (padaria). Entramos para comprar uns pães. Começamos a conversar com o proprietário, acendemos um cigarro e oferecemos um àquele senhor. A alegria dele foi tanta, pois, não havia cigarros na Itália, que imediatamente nos convidou para almoçar. A princípio não aceitamos, porém, tanto insistiu que acabamos aceitando. Demos a ele as rações para fortificar o manjar e almoçamos como governadores. Às 15 horas mais ou menos saímos para percorrer algumas ruas que não conhecíamos ainda e finalmente às 17 horas seguimos para o nosso acampamento. No outro dia pela manhã, formados, seguimos para o nosso Q.G., a fim de treinarmos a Canção das Américas, pois, íamos ser incorporados ao 5º Exército e receberíamos a visita do General Mark Clark, mais 2 generais e 20 oficiais do seu Estado Maior. No dia 14 de Junho fomos incorporados ao 5º Exército. No dia 21 nos deslocamos para Veda (nesta época já tínhamos recebido nossas viaturas, armamento e material de transmissão). Acampamos em Fazenda Barabino, aonde chegamos no dia 22. À 1.30 horas da manhã assim que cheguei em Veda, comecei com meus radiotelegrafistas uma rigorosa instrução, tendo também que aprender a dirigir jipes de ¼ de tonelada, pois, eram esses nossos carros médios. Um dia de domingo, à tarde, peguei um jipe-rádio e segui com alguns companheiros até a praia para tomarmos banho de mar. No local onde fui era justamente onde as tropas aliadas tinham desembarcado, tanto que em vários locais havia grande quantidade de minas, várias fortificações alemãs, havendo ainda, em uma, um canhão avariado. Entramos no mar e resolvemos dar umas braçadas. A uns 400 metros, mais ou menos, vimos uma lancha que estava somente  com o mastro e um pedaço de proa fora d’água, pois, com certeza tinha sido avariada. Seguimos para ali aonde chegamos muito cansados. Durante o trajeto abrimos os olhos n’água e vimos o estrago que as bombas aéreas tinham feito naquela praia. Quando voltamos, o Luiz (era meu companheiro) não encontrou as botinas, pois, os italianos tinham “Portado via o par de escarpe” do Luiz. Rimos muito e ele teve de ir para o acampamento descalço. No dia 28 o regimento, a fim de cumprir ordem do General Marck Clarck (Comandante do 5º Exército) me mandou estagiar no front ao sul de Pisa. Neste mesmo dia, às 06.30 horas da manhã, eu, diversos sargentos e oficiais, seguimos de caminhões, chegando ao Quartel General às 11.30 horas. Fomos recebidos pelo General Comandante, o qual nos disse: “Estamos orgulhosos em receber-vos como estagiários em nossa Divisão. Sei que cumprireis as missões que vos for confiada. Sejam felizes e que Deus os proteja”. Separei-me dos meus companheiros e segui para o 338º Regimento Americano, onde me apresentei ao Comandante, sendo em seguida encostado-se àquela Unidade. O Comandante chamou um Cabo (o George, no qual encontrei um grande companheiro). Tenho ainda, como recordação dele um dicionário de espanhol-inglês, que ele me ofereceu. Falava ele muito bem o espanhol. Segui com ele até onde se encontravam os aparelhos telegráficos. Fiquei ali como observador durante três dias, assumindo depois a chefia dos rádios operadores americanos. No dia seguinte fui submetido a um exame de exploração, recepção e transmissão, tendo os oficiais de transmissão americanos ficados satisfeitos, tendo dito, Very good. Depois o George me disse que eles ficaram admirados em me ver transmitir com as duas mãos e sem variar a cadência. Continuei trabalhando todas as noites. Os aviões inimigos nos visitaram e distribuíram à doida, várias rajadas, as quais, durante os dias que ali estive matou numa noite, um americano e deixou dois feridos. Em outro dia feriu dois. A artilharia sempre nos bombardeava, tanto que logo me acostumei com o barulho. Nossos sargentos de fuzileiros, que também foram estagiar, em uma patrulha em que tomaram parte, fizeram vários prisioneiros alemães, os quais ficaram bastante admirados quando viram que eram brasileiros e disseram: “Sabíamos que já existiam tropas brasileiras aqui na Itália, porém, no front, não”. Dias depois houve ordem para regressarmos. Assim que cheguei à minha Unidade (que se encontrava em Veda-Barabino), tratei de por em prática com meus radiotelegrafistas os métodos e artimanhas que tinha aprendido naquela Unidade americana. No dia 8 de setembro fui elogiado pelo senhor General Comandante do Grupamento Tático, nos seguintes termos: “Louvo-o pelo esforço, dedicação e amor ao trabalho, onde tem se revelado desde a partida da F.E.B. , colaborando para que essa Força representa dignamente nosso país nos campos de luta da Europa”. No dia 13 de setembro deslocamo-nos para Ospedaletto, onde acampamos, ficando já ali na segunda linha. À noite, saí com os dois carros-rádios com quatro operadores em cada um, a fim de se verificar as dificuldades em se transmitir e se receber em marcha. Voltamos às 23.30 horas mais ou menos. No dia seguinte distribuí os rádios-operadores aos órgãos regimentais e fiquei com duas equipes no R.I., uma trabalhava na rede interna (rede dos batalhões) e outra na rede externa (rede de Divisão). No outro dia, pela manhã, seguimos para as orlas noroeste de Vecchiano. Assim que cheguei, recebi do Quartel de Transmissões 1º Tem. Alexandrino os códigos, prefixos e cumprimentos de onde e com quem íamos trabalhar. Extraí de tudo aquilo o que interessava aos tenentes e mandei àquela Unidade, nesse mesmo dia, pondo imediatamente as redes em funcionamento. Na noite do dia seguinte (16/09), substituímos o 334º Regimento de Infantaria Americano, onde nos foi confiado um setor de 4.800 metros, recebendo a missão de progredir para o norte; a 17, atacamos o inimigo e conquistamos as cidades de Mossarosa, Vivali, Vila Force e Piazzano; a 18, Costagnari, São Martino, Fredna C., Pelágio, Cusa, Terrari, Cassiana, Mntagrati, Cota 404, Vila Del Canestrano e C. di Calicelo. Nesse dia me desloquei junto com o Comandante para a cidade de Mossorosa, levando comigo SOS dois jipes rádios.

GENERAL ZENÓBIO E A MÃO AMIGA.
Como já eram 3.30 horas da tarde e eu ainda não tivesse comido, saí para o quintal a procurar alguma fruta que me matasse a fome. Descobri uma figueira e tratei de comer alguns figos. Estava eu saboreando alguns, quando ouvi passos às minhas costas. Ao mesmo tempo uma voz me perguntava se eram boas. Ao virar encontrei-me em presença de S.Excia. General Zenóbio, ao qual respondi: “Não são muito bons, mas dá para matar a fome, Excia. E ele baixou um galho e começou a colher as frutas, comendo-as, como se estivesse em jejum. Perguntou: Do qual estado você é? – Sou de Pernambuco. Como está aqui no setor?.  Porque vim de meu estado em 1934. Sempre tem servido em Caçapava? – Não senhor, servi também no 5º G.A.Ce na 5ª Bia. C. – Você não é de Infantaria? – Sou, Excia, porém, servi naquela mesma arma por ser radiotelegrafista. Quantos anos têm de serviço? – Mais de 10, porém, é possível logo que chegue ao Brasil, se voltar, ser licenciado. Não quer continuar no Exército? – Queria Excia, porém, sou sargento de depois da lei e por isso não estou amparado. – Bem, não se incomode. Você não será licenciado, pois, não é justo que um sargento com mais de 10 anos de serviço, que deixou mulher e filhos (pois, eu tinha dito a ele que era casado e tinha três filhos), vindo arriscar a vida pela Pátria no estrangeiro, voltando depois, cansado, já desambientado da vida civil, ser jogado na rua. É somente isso que você queria? –  Não Excia., se  fosse  possível  eu  queria, se voltar ao Brasil, ir para o mesmo lugar que estava, à Fortaleza de Itaipu. – Bem, se voltarmos você se apresenta logo que chegarmos. Eu lhe darei um cartão para o chefe de serviço rádio do Exército. Muito agradecido, Excia. Comemos mais alguns figos, pedi licença para me retirar, a fim de observar meu serviço. 

A LINHA GÓTICA E AS SUCESSIVAS CONQUISTAS.
A 19, atacamos Camoiare e a ocupamos, pois, o nosso ímpeto era tal que não dava tempo do inimigo se organizar. Esta cidade ficava situada entre as primeiras montanhas que constituíram a famosa linha gótica; dia 20, Straguano, Anticiano, Fabiano, Bazzano e Cota 564; dia 24, Tacigliano, embora sob pesado fogo inimigo; no dia 25 atacamos as organizações defensivas inimigas nos montes Acutos, Velinoni e Garupa de Batani, conquistando-as na tarde desse mesmo dia, obrigando o inimigo retirar-se para o norte; dia 26, Monteplano; dia 27 Zopeglia e Fianza; dia 28, Convale, Vila Buona, Terracia Prazzovelo e Pescaglia; e, no dia 30 a cidade de Borgo a Mozzano. Nesse mesmo dia, à noite, o major do serviço de espionagem se encarregou de uma missão especial, pois, teve informações que na cidade de Tacigliano havia um cômodo no 3º andar de certo prédio, que à noite transmitia sinais Morse óticos. Eu tinha de ir com três soldados àquela cidade, receber a mensagem transmitida e aprisionar quem estivesse no citado prédio, e se caso resistissem à prisão eu devia abrir fogo e trazê-los vivos ou mortos. Perguntei aos meus rádios telegrafistas: Quem quer ir comigo? Apresentaram-se o Bueno, o Amélio e o Wellington. Pequei 1.500 tiros, coloquei no jipe e fui até onde estava o major, buscar o mapa da região. Grande foi minha surpresa ao ver no mapa a localização daquela cidade, pois, ficava além da nossa linha de frente, cinco quilômetros. Eu fiz ver ao major que era impossíveis quatro homens em um jipe irem até aquela cidade, pois, toda aquela zona ainda estava ocupada pelo exército alemão. Foi então que o major descobriu que aquele lugar ainda não era “terra de ninguém”, tanto que a felicidade minha e de meus três companheiros foi eu estar a par de toda a frente, agradecendo isto ao ser radiotelegrafista e conhecer todas as cidades que tinham sido ocupadas até aquele momento. Foi dada, então, última ordem naquela missão. No dia seguinte, pela manhã, segui com o comando para o novo P.C. em Margiano. Ali instalei as duas estações de rádio a uns quinhentos metros do P.C., a fim de livrar o mesmo (caso o rádio nos localizasse) da artilharia inimiga. No dia seguinte vi os primeiros prisioneiros alemães que fizemos, pois, até o dia anterior não tínhamos conseguido aprisionar nenhum. Estes eram rapazes de 20 a 28 anos. Entre eles havia um francês. Comeram conosco, demos-lhes cigarros e dois que falavam mais ou menos o italiano, inclusive o francês, disse-nos que estavam cansados da guerra e que não julgavam que os brasileiros fossem tão bons assim. Finalmente, foram conduzidos para um jipe e transportados para o Q.G. Em virtude da distância que ficamos do P.C., tive de instalar uma guarda com meus rádios operadores, pois, ficamos fora do círculo de segurança e podíamos a qualquer hora sermos surpreendidos por patrulhas inimigas. Tornou-se para nós um período exaustivo. As duas estações funcionavam dia e noite e meu pessoal era pouco. Passei em Magiano oito dias mais ou menos, seguindo depois para Volpiomaro, tendo instalado em uma casa próxima a uma ponte e distante da zona de segurança do P.C.. Ali o serviço piorou, pois, estávamos operando nas montanhas que formavam a “linha gótica”. O alcance do rádio era ínfimo e para não paralisar as comunicações eu tive de destacar um carro para fazer uma ponte entre os batalhões e o Regimento de Infantaria. No dia seis de outubro conquistamos a cidade de Fornaci e a onze a de Barga. No dia doze, pela manhã, chegou uma mulher à estação de rádios nos disse ter encontrado próximo ao nosso ponto, quatro alemães. Armei-me com minha carabina, mandei dois soldados por trás da casa onde estávamos e que tinha uma grande elevação coberta por castanheiros e macegas. Segui pelo outro lado, atravessei um pequeno rio e subi a elevação. Batemos todo aquele monte durante uma hora mais ou menos, porém, sem resultados. Depois soubemos que eles tinham sido presos, disfarçados à paisana. Nesse mesmo dia, segui para Borgo a Mozzano, a fim de procurar lugar para instalar minhas estações. Os alemães em sua retirada tinham destruído os dois túneis da estrada que ia a Borgo a Mozzano, a fim de retardar nosso avanço, tanto que fui de jipe até à boca do primeiro túnel e daí por diante, a pé. Quando cheguei à boca do túnel encontrei um pelotão sob o comando do Tenente Machado, desobstruindo-o. Havia uma pequena brecha por onde me meti. O tenente me disse para eu ter cuidado, pois, havia muitas minas. Disse-me um soldado: - Sargento, há pouco tempo umas pessoas que vieram apanhar castanhas fizeram explodir uma mina, tendo uma mocinha perdido uma perna e um garoto que estava perto dela ficou ferido com estilhaços nos ombros e nas pernas. Eu agradeci a informação e segui por aquela fresta agarrando-me pelas pedras para descer até à boca do túnel. Do teto caíam pingos d’água. Assim que saí do outro lado vi então as organizações alemãs: longas redes de arame, casamatas subterrâneas para alojamento de companhias e material, bases para canhões de cimento armado, estando estas adotadas às bocas dos subterrâneos. As defesas em arame farpado contra nossa Infantaria eram lastros em todas as extensões das montanhas com quinze metros de largura e com distâncias de um lastro para outro de cinquenta a cem metros. Passei o outro túnel. Estavam também com uns vinte metros de extensão areados. Consegui entrar nele com dificuldade. Quando saí do outro lado já eram 5.30 horas da tarde. Adiante, a estrada estava interrompida por uma ponte que os alemães haviam dinamitado. Abandonei a estrada, entrei pelo castanhal, atravessei um brejo e peguei a estrada do outro lado. Já estava escurecendo quando ao longe divisei um grupo composto por cinco ou seis homens de calças curtas, parados no centro da estrada e justamente onde o castanhal cobria quase a rodagem. Peguei minha carabina, pus bala na agulha e conduzi-a pronto para abrir fogo, pois, em plena Linha Gótica tomada por nós há poucos dias eu tive a impressão de que fossem alemães que vinham descendo das montanhas. Ao se aproximar do grupo, um dos homens disse aos outros: Es brasilian. E dirigiu-se para mim dizendo: Buona será, paisano. Tien uns cigarrets?. Ao mesmo tempo eu ouvi uma voz feminina do lado de cima da estrada que dizia: Prendere uno, per me bobo. Eu então reconheci neles italianos, dei cigarros a todos e seguimos juntos para Borgo e Mozzano, aonde chegamos às 07.30 horas da noite. Sentia bastante fome, pois, saíra antes do almoço. Às 09.00 horas mais ou menos chegou um jipe guiado pelo meu Oficial de transmissões, o qual me disse não haver mais necessidade pó enquanto, visto o Comando não poder se deslocar porque as estradas continuavam obstruídas e a picada que nossa engenharia tinha terminado, só podia passar jipes. Tomei o carro e segui com o Tenente para Volpronaro. Foi uma jornada penosa. Havia diversos carros tombados, inclusive um trator. À picada, além de atolar (estávamos no inverso) havia declives de 60 e 70º e em muitos lugares até mais. Tínhamos de fazer esses percursos com os faróis apagados. Afinal chegamos à meia noite mais ou menos. Fui direto ao rancho, pois, estava com uma fome horrível. Arranjei um pedaço de pão e uns ovos fritos, que tinham sobrado do jantar dos Oficiais (minha Companhia, apesar de estarmos em pleno combate ainda mantinha uma cozinha especial para os Oficiais), enquanto que os Oficiais americanos entravam na fila para pegarem a mesma “boia” dos soldados. Assisti isso quando estagiei no 338º Regimento de Infantaria. Segui para a estação de rádio. Minha sentinela estava alerta e meu operador na escuta (quando estavam cansados se revezavam entre si). Perguntei se havia algo de anormal e me responderam que não. Entrei e me deitei. Em frente a estação de rádio havia uma casa onde residia uma velhinha de 72 anos. Disse-me ela ser retirante de Livorno, que tinha um filho prisioneiro e que era viúva de um Marechal da Itália, morto três anos antes. Disse-me também que passava necessidade, pois, a pensão que recebia não dava para  alimentar-se. Eu então, todos os dias pegava comida do rancho para ela. Quando eu chegava ela dizia: Nona venga prendere o manjare aspeta uno poço filholo. Abria a porta e com passos trôpegos e lágrimas nos olhos recebia a comida. Quando eu me desloquei para Borgo a Mozzano, ela chorando disse-me: I oniente tengo per ti regalare e ma prendere queste libro. E uno ricordo de mi parte. Quando cheguei a Borgo a Mozzano me instalei em um prédio que tinha sido atingido pela nossa artilharia.

UM MENINO E AS LEMBRANÇAS DA FAMÍLIA. 
Ao descer de meu jipe veio ao meu encontro um garoto na pessoa do qual tive a impressão de ver meu filhinho, pois, a fisionomia, tamanho e desenvoltura eram idênticas. Abracei o pirralho com lágrimas nos olhos, dei-lhe uns chocolates e subi com ele até o local onde ia instalar as estações de rádio. Desde esse dia nos fizemos amigos. Ele me levou até o apartamento onde se encontrava sua mãe. Esta então me contou que o seu marido há dois anos que não o via, pois era capitão médico do Exército Italiano e não sabia se era vivo ou morto. Vivia esta senhora em companhia de uma velhinha, sua mãe e de uma irmã solteirona. Quase sempre minhas refeições eram feitas com eles, pois, o garoto me prendia muito àquele apartamento.

OS ALEMÃES ATACAM.
Cinco ou seis dias depois, a fim de carregar a bateria de um carro que estava fraca, peguei o respectivo jipe e saí em direção à “Linha Gótica”, seguido de um rádio operador, o Moreira. No caminho três soldados fizeram sinal. Eu parei o jipe e perguntei o que havia. Um deles então me disse: Sargento, nós vamos atrás de uma escolta que conduz uns prisioneiros para o Q.G. Será que o senhor nos pode conduzir até a cidade vizinha? Talvez ainda estejam lá. Eu mandei que eles subissem no carro e segui para a respectiva cidade. Porém, quando chegamos lá, já a escolta tinha saído. Fiz a volta, e, eles então, continuaram no carro dizendo-me que vinham apresentar-se no P.C. . Acelerei, vinha com uma velocidade de 50 quilômetros mais ou menos quando o carro fez zig-zag. Ouvi gritos agoniados a chamar por santos. Uma roda saltou para o lado direito e finalmente eu deitado em cima dela. Levantei-me, corri para o carro que se encontrava emborcado a ouvir ainda uma voz angustiada, que dizia: Tirem-me daqui pelo amor de Deus. Era um dos soldados que eu tinha pegado no caminho. Um jipe com umas peças do Pelotão de Reconhecimento, que chegava nessa ocasião, nos ajudou a tirá-lo debaixo do carro. Colocamo-lo imediatamente no outro jipe e seguimos com os feridos para o posto médico. Os feridos eram: eu, o Cabo Trujilo, o rapaz que ficou debaixo do carro e um companheiro dele. O carro do desastre chamava-se Caçapava. A causa foi ter a roda dianteira escapada. Chegamos ao posto médico, fizemos os curativos necessários, tendo o soldado que ficou debaixo do carro baixado ao hospital com fratura de bacia. Quando regressei ao posto médico encontrei Sizenando e Laet que me convidaram para tirarmos uma fotografia (a primeira na Itália). Tirei a chapa e dias depois a mandei para casa. Passei uns quinze dias com uma mancha roxa sobre o peito, pois, quando saltei do carro o volante da direção quase me prendeu ao veículo. No dia seguinte o Tenente Alexandrino foi até a estação rádio e me disse que eu escalasse um cabo e seis soldados para fazerem um serviço de segurança numa ponte que ligava a Vila de Fornaci à de Borga. Nesta ponte havia um trecho de uns quinze metros mais ou menos destruída por bombas alemãs. A vila e a cidade de Borga eram diariamente bombardeadas pela artilharia inimiga e a ponte com um trecho de estrada de uns trezentos metros era alvo incessante, pois, ficavam sob a vista do observatório alemão. Eu (como sempre fazia) pedi ao Tenente para ir ao lugar do Cabo, fazendo-o ver que instalaria o serviço melhor e que qualquer missão dada aos seus rádios operadores eu devia ser sempre o primeiro a cumprir (segundo meu modo de pensar o chefe deve estar sempre à frente de seus subordinados, a fim de orientá-los, livrando-os assim de muitos perigos). Finalmente concordou. Puz os rádios operadores em forma e perguntei quem queria ir comigo (nunca gostei de designar os homens para certas missões, com medo que lhes sucedesse alguma coisa e eu ficasse no inferno). Para mim a consciência tranquila é o céu e a intranquilidade desta é o inferno. Todos se ofereceram e seguiram comigo os primeiros seis. Tomamos dois jipes, colocamos nossas mantas e armas dentre deles e seguimos, inclusive o Tenente. Ao atingirmos as primeiras casas de Vila Fornaci desencadeou um forte bombardeio. Saltamos dos jipes, mandamos os motoristas com os operadores procurarem abrigos e esconderem os carros. Segui com o Tenente em direção ao local que estava sendo bombardeado. Quando chegamos a uns oitenta metros ouvimos um sibilo. Só nos deu tempo de jogarmo-nos no chão, junto à parede de uma casa. Ouvimos uma pancada junto a nós. O tenente estirou o braço e me apresentou um estilhaço ainda insuportável em nossas mãos pela quentura. Olhamo-nos e rimos com o sorriso que deve ter um louco perante a morte. Caíram mais de doze bombas, depois se fez o silêncio. Levantamo-nos e seguimos em direção à ponte atravessando as hortas e pomares das diversas casas abandonadas e em minas andávamos com cautela, pois ainda havia muitas minas e bomba trape. Ao chegarmos próximos à ponte não pudemos conter o riso, pois, encontramos com o Sargento Moacir (Doidinho) igual a um porco quando sai do lameiro. Rimos tanto que choramos, inclusive ele. Contou-nos ele que o bombardeio tinha-o alcançado junto à ponte e que tinha dado três lances dentro daquela levada e nos apontou a mesma, vendo-as ainda os lugares onde havia se deitado. Atravessamos a ponte que tinha uns cento e cinquenta 150 metros e fomos procurar um local que satisfizesse ao serviço e à segurança (se possível) do pessoal e dos meus radiotelegrafistas. Finalmente descobri a uns cento e oitenta metros da ponte uma casa que resistia bem umas quatro ou cinco bombas. Aí fiz meu Q.G. . Cavamos um Fox-roll a uns quarenta metros da ponte para abrigar dos estilhaços o homem que estivesse de serviço. Voltamos para o outro lado. Arranjei outra casa a uns duzentos e cinquenta metros da ponte. Mandei cavar outro Fox-roll a uns dez metros de casa para instalar o outro homem de serviço. Em cada Fox-roll instalei um telefone. Os carros só atravessavam a ponte quando se avisava pelo telefone, a fim de não haver encontro entre os citados veículos, pois, dias atrás tinha havido um abalroamento à noite, próximo à ponte, ficando as duas máquinas quase imprestáveis, havendo também diversos feridos. De um posto telefônico a outro, os carros eram obrigados a percorrerem em grande velocidade, pois, ficavam completamente sob a vista dos alemães e quase sempre ao atravessar carros ou tropa eles desencadeavam uma chuva de bombas até quando lhes desaparecia do objetivo (vários soldados foram feridos naquele trecho). Neste mesmo dia, às 04.30 horas da tarde, ao seguir um jipe com destino à ponte, uma saraivada de bombas caiu sobre o mesmo e meu radiotelegrafista se salvou milagrosamente, pois, a primeira bomba caiu no local onde ele se encontrava. Ao cessar o bombardeio eu corri para lá. Ele ainda estava sem sangue nas faces, porém, calmo. A me ver disse: Sargento, só sinto meu cachimbo. Eu caí por cima dele e foi uma pena. Quando ele ouviu o sibilo, pulou para trás duma pequena boeira, ficando porém, o fuzil, com uma parte exposta, a qual  estava toda perfurada pelos estilhaços inclusive o fundo do depósito. Este soldado era o mais franzino e menor da turma, tanto que os companheiros o batizaram de bambino (menino). Chamava-se José Pereira da Silva (conhecido por Zequinha). É um jacareiense. Durante toda a campanha nunca o vi demonstrar medo ou reclamar serviço. Deixo aqui a ele meu eterno reconhecimento pelo espírito de dedicação, disciplina e amor ao trabalho, ajudando-me por todos os meios ao cumprimento das minhas missões. No dia seguinte, às 09.00 horas, eu atravessei a ponte para Fornaci, a fim de ir tomar café (não queria arriscar o jipe e o motorista às bombas alemãs). Atravessando a ponte homem a homem eles não iam perder uma bomba com um alvo tão pequeno. Se o jipe atravessasse a ponte era certeza os alemães jogarem algumas amêndoas nele. Quando me aproximei do posto, vi, com grande surpresa, três carros grandes parados aquém do referido posto e na altura em que se encontravam era perfeitamente vistos do observatório inimigo. Corri para eles, a fim de salvar tanto os carros como os tripulantes. Gritei: Saiam imediatamente daí que os alemães vão atirar. Os motoristas ligaram as máquinas e dirigiram-se à toda, a fim de atravessarem aquele trecho de estrada observada e a ponte. Peguei o primeiro carro. Ia-o dirigindo um Capitão. A seu lado vinha um reverendo e na carroceria um grupo de combate. Quando chegamos a uns oitenta metros da ponte começaram a cair bombas. Eu pulei do carro e dei um lance de uns vinte metros. Levantei-me e dei outro, indo cair numa boeira. Aí abrigado olhei para a estrada. Os carros estavam parados e os tripulantes em debandada. Neste momento o que mais nos preocupa é nos afastarmos o mais possível em menos tempos dos carros, pois sabemos que os tiros são dirigidos a eles. O reverendo lançava-se ao chão aos sibilos das balas, como se fosse um verdadeiro veterano. Gritei para eles: Reverendo, venha para aqui e quando ele caiu dentro da boleira onde eu estava não pude conter a gargalhada. Estava idêntico ao sargento que eu e o tenente tínhamos encontrado no dia anterior. Ele olhou-me espantado (julgou que eu tinha enlouquecido) e disse-me: Porque ri, filho, e não se lembra de Deus numa hora horrível destas? Porém, quanto mais ele falava mais eu ria, pois, não podia olhar a cara dele e o fardamento. Via-o ainda às carreiras, e jogando-se da mesma levada onde se lambuzara o sargento. As bombas continuaram a cair, porém, não chegaram a enquadrar as máquinas com tiros precisos, pois, apareceu um avião de reconhecimento e eles calaram as peças para não serem descobertas as bases de seus canhões. Subimos para o carro e então contei ao reverendo o bombardeio do dia anterior. Falei sobre o sargento todo lambuzado como ele e que esse era o motivo porque eu ria. Ele riu também e seguiu com o capitão para rezar uma missa em Borgo. Passei ali naquela ponte dez dias. Era raro o dia em que eu não tinha necessidade de fazer parte daquele percurso por lances.

UMA ESPIÃ ITALIANA CAPTURADA.
Um dia antes ao regressar a Borgo a Mozzano eu me encontrava no posto de Fornaci. Eram quatro horas mais ou menos. O Comandante do 1º Batalhão tinha mandado uma guarda para ali, a fim de controlar a passagem dos italianos , pois, era grande a espionagem. Na manhã deste mesmo dia tínhamos prendido uma garota de uns dezoito anos. Vinha ela com um saco de castanhas à cabeça. Pelo vestuário e pela fisionomia notou-se que a mesma não podia andar a colher castanhas e mesmo por já termos notícias de que ela vivia antes com os alemães, tanto que ao atravessar a ponte um soldado lhe pediu algumas castanhas. Ela arreou o saco e mandou que tirasse. Ele pegou o saco pelos pernis e despejou todas as castanhas. A moça tentou impedir, porém, o saco já estava vazio nas mãos do pracinha e em cima do monte de castanhas apareceu um papel, no qual ela tinha traçado um croquis localizando todas as nossas peças de artilharia. Mandaram-na para p P.C. do R.I.. Ali chegando ela confessou que de fato trabalhava para os alemães, que continuaria e que eles haviam de vencer. Como os praças tivessem feito um pequeno agrupamento em frente à casa onde estávamos, os alemães nos mandaram vinte e três bombas no espaço de dois minutos. Corremos para dentro de casa. As bombas choviam ao redor e em cima. Derrubaram o segundo andar e atingiram o primeiro, porém, estávamos no térreo. Toda a casa estremecia, os pendentes elétricos balançavam de um lado para outro, os estilhaços arrebentavam as portas e as janelas, enterrando-se nas paredes. Não nos atingiram porque estávamos deitados, colados ao chão. Cada sibilo de bomba, gritávamos: é agora! Outros diziam: Sargento, se continuarem assim é pena. Finalmente eles viram que o teto da casa tinha voado pelos ares e cessaram o bombardeio. Durante aqueles doze dias que passei ali, foram vítimas dos bombardeios uma mocinha, que morreu instantaneamente, pois, ficou quase cortada pela cintura, uma velha que perdeu o braço e um garotinho que ficou sem uma perna. Quando o estilhaço tirou a perna do garoto, achava-se com ele um soldado, o qual nada sofreu. Pôs o garoto nos braços e correu para um posto de emergência, onde o garotinho recebeu os socorros de urgência, sendo imediatamente transportado para o hospital. Como já fazia doze dias que eu estava naquele inferno e não tivesse ainda resolvido voltar, o tenente mandou um cabo me substituir, mandando dizer-me por ele que tinha grande necessidade da minha presença em Borgo a Mozzano. Mediante aquela ordem eu segui. Assim que cheguei me apresentei ao tenente. Ele disse-me que eu fizesse um programa de instrução para os rádios operadores que não estivessem de serviço, montasse os T.G. – 5 (aparelhos de telegrafia). Eu conheci que aquilo era apenas um motivo para que eu não continuasse na ponte. Passamos alguns dias ainda em Borgo a Mazzano, tendo depois me deslocado para Chivizzano, onde instalei minhas estações próximas a uma antiga igreja, da qual soube uma história interessante, contada por uma família da casa onde estavam instaladas as estações de rádio. Disse-me um velho italiano: “Havia aqui neste país (cidade), nos tempos de meus bisavós, uma senhora muito rica e católica. Dava todos os meses parte de sua renda à igreja e tinha estudo tal qual um padre. O seu maior desejo era dizer uma missa, tanto que em uma ocasião ela se dirigiu ao papa e lhe pediu autorização para dizer uma missa. O papa então respondeu que lhe dava licença para dizer missa, porém, só quando ela construísse doze igrejas e que só podia construir uma por ano e que só diria missa na última igreja construída. Esta senhora então aceitou e a primeira igreja construída por ela é esta que o senhor vê aí. Porém, esta senhora não chegou a dizer nenhuma missa. Quando construiu onze igrejas morreu de súbito. Tanto que esta igreja é muito visitada pelas famílias católicas, até de países estrangeiros”.

O AMOR PELA FAMÍLIA E UM AMOR NÃO CORRESPONDIDO.
Eu dormia em uma casa de um espanhol, cuja família era composta de três rapazes e uma garota de dezoito anos. Arranjaram-me um quarto confortável. A garota todas as manhãs ia me acordar levando água morna para eu banhar a faixa, como dizia ela em seu italiano. Um dia ela me disse: Eu queria tanto casar-me com um brasileiro. São tão bons, alegres, amáveis e respeitadores. É o homem que eu gosto. – Quantos anos tem, Zina? – Dezoito. – É, estás em idade de casar, pois, minha senhora quando se casou tinha quatorze anos e meio. – Bugia, tu non es sposato: - Sou sim, tenho três filhos. Queres ver? – Si. Peguei minha maleta, abri-a  e mostrei a ela as fotografias da Filhinha e dos três garotos. Mesmo assim ela me disse: Io non credere. Lei e vestra serela io sono vestros impates. (Eu não creio. Ela é vossa irmã e eles são vossos sobrinhos). E continuou dizendo  que todo italiano sabia que no corpo expedicionário brasileiro só haviam casados alguns oficiais e que os demais eram solteiros. Eu então lhe mostrei uma carta na qual Filhinha terminava dizendo: Os beijos e as saudades de tua esposa e filhos. Crês agora, Zina? – Si”. Dias depois recebemos ordem para seguirmos para outro front, perto de Bolonha. Ao me despedir choraram, e um irmão de Zina, engenheiro arquiteto, me fez presente (para que eu me recordasse da família) de uma planta que ele fez quando era estudante na cidade de Lieras, a qual está no meu arquivo de recordações de guerra. Foi um dia de domingo, pela manhã (05 de novembro de 1944) que me despedi daquela boa família, com destino à Porreta, cidade situada há poucas milhas a sudoeste de Bolonha. 

BOMBARDEIOS ALEMÃES: INFERNO EM VIDA.
Chegamos ali à meia noite e meia. Enrolei-me com a minha manta e a barraca e deitei-me. Às cinco horas da manhã, quando me levantei, notei que naquela região havia neve, pois, em minha barraca havia uma pequena camada e os jipes estavam brancos. Como estivesse com muita fome, peguei minha marmita e saí à procura de uma cozinha, onde pudesse encher o estômago. Há um quilômetro mais ou menos do lugar onde eu dormira, estavam entregando a boia. Eu entrei na fila. Brasilian? Yes. (E matei a fome). Quando cheguei ao local em que dormimos, o Penha (um sargento amigo meu que trabalhava comigo na estação de rádio de Caçapava e que durante a campanha na Itália chefiou o Centro de MSGS) me perguntou: De onde vens? – Fui pegar a boia com os americanos. – Diabo rapaz, estou com uma fome de cães. Não tem importância. Vamos montar nesse jipe e procurar cozinhas. Saímos e há uns três quilômetros mais ou menos encontramos uma cozinha brasileira. Era a cozinha da Quinta Companhia e o sargento do rancho era o velho amigo Bandeira. Pegamos a boia, proseamos alguns minutos e voltamos para onde estava a companhia. Às quatro horas desse mesmo dia segui para Morano, povoado localizado a uns oito quilômetros de Porreta e à leste. Vários trechos da estrada que a ligava estavam sendo batidos pela artilharia alemã. Aquém da entrada da vila existia uma ponte que foi construída pelos americanos (a verdadeira ponte foi destruída pelos bombardeios aéreos aliados quando ainda em mão dos alemães) e o acesso à mesma era observado pelos inimigos, de um monte chamado Soprassosso, tanto que ao aproximarmos da referida ponte caiu sobre nós uma chuva de bombas. Abandonamos os jipes e caímos em uma levada, até que cessou o bombardeio e partimos a toda velocidade até onde devia ficar o P.C.M.. Nessa época o oficial já era o Capitão Orlando Henrique de Araújo e ele mandou que eu procurasse um local para instalar as estações de rádios. A uns cento e cinquenta metros do P.C. havia uma casa de um andar, o qual eu ocupei com meu pessoal. Como eu passei quase quatro meses naquela casa, vou descrever como estavam ocupados os diversos cômodos: no único andar havia quatro quartos grandes, um pequeno, um corredor e uma privada. Nos dois quartos de frente ficaram os meus rádio- operadores: ao do centro (pequeno) eu fiquei e nos de trás ficaram, no da esquerda as estações e no da direita a cantina do senhor Vittório (era o nome do dono do prédio). Embaixo, à frente e à esquerda, a sala de jantar e a cozinha, à direita o quarto do velho e sua filha Luciana (uma garota de dezesseis anos que um 2º Capitão alemão tinha levado até uma cidade vizinha chamada Santa Maria, ficando aí dezoito dias, até que conseguiu fugir). Na parte de trás ficava um moinho, havendo ainda junto ao mesmo uma puxada, onde ficou instalada nossa cozinha, cujos cozinheiros, cabos, soldados, deixo aqui os nomes como reconhecimento pelo que fizeram por mim. Eram eles, 2º Sargento Basílio, Cabos Eliezer e Virgílio, soldados Barboza, Simões, Pedro, Adriano e João. Às oito horas começou o bombardeio, tendo a maior parte dos rádios telegrafistas, descido à disparada com suas mantas a procurar abrigo no velho moinho. Só ficaram comigo dois ou três, embora os sibilos das bombas que passavam junto ao telhado da casa não nos convidassem a permanecer ali. Como eu já estava habituado aos bombardeios, às onze horas mais ou menos dormi, não sabendo a que horas o suspenderam. Durante o tempo que passei ali, nunca houve um dia que não fôssemos bombardeados duas, três e até quatro vezes ao dia. À noite nunca nos faltou, inclusive uma vez ou outra incursões de aviões, tendo meu amigo Sargento Cesar, morrido em uma dessas incursões quando foi bombardeado o prédio onde ele se encontrava. A ponte era bombardeada constantemente, porque nessa zona os únicos que foram atingidos por eles foram duas mulheres, uma que morreu, uma que focou ferida, uma moça, uma garotinha e um velho, em casa de quem, aos domingos, almoçava. Conheci-o porquê ele tinha um filho que era partigiani e que se tornou muito meu amigo. Recebemos aquele front com a missão de conservarmos, isto é, conservarmos os alemães em suas posições até que chegasse a primavera, quando então iríamos à ofensiva geral. Rara era a semana em que os inimigos não nos atacavam duas ou três vezes e nós resistíamos. O inimigo recuava sempre, deixando sempre mortos, feridos e prisioneiros. De nossa parte também havia mortos e feridos, porém, em número muito menor. Continuamos assim com estas escaramuças até o dia vinte e dois de novembro, quando recebemos ordem (pela primeira vez) para repousarmos numa cidade vizinha chamada Granaglioni. Veio nos substituir o 1º Regimento de Infantaria Leão Sampaio. Ensinamos-lhe como deviam proceder com os alemães, com suas artimanhas, seus ataques, suas patrulhas de reconhecimento e muitas outras coisas que eles empregavam e seguimos para a cidade onde devíamos repousar. Infelizmente, poucos dias depois eu me encontrava em Firenze, quando, às sete horas da noite chegou um caminhão grande, a fim de transportar para o front eu e alguns companheiros que estavam naquela cidade. O motorista nos contou em tão que os alemães haviam atacado aquele nosso setor (que havíamos deixado nas mãos do 1º R.I.) e que meu Regimento já o tinha substituído. Ficamos com os cães com aquela unidade por não aguentar a mão pelo menos enquanto descansávamos, porém, depois nos conformamos. Eles eram recrutas... Tomamos o caminhão e seguimos para aquela casa do moinho, onde encontrei meus rádio-operadores já em atividade, sob a chefia do meu substituto, Cabo Guloti. Assumi minhas funções, minha Unidade já havia contra-atacado os alemães e retomado posições. Dias depois veio a neve e andávamos sobre o gelo. Um dia, como eu tivesse necessidade de verificar o alcance SCR 511 naquela zona (o alcance do rádio varia de acordo com a topografia do terreno), saí com um na direção de Polazzo. Quando atingi a crista militar de uma elevação que ficava a dois mil metros e poucos e ao norte do meu P.C., peguei o aparelho e comecei a chamar o III Batalhão. Assim que este respondeu, eu só tive tempo e dizer: Companheiro, o pau está quebrando em cima de mim. E saí embalando morro abaixo. Ainda o ouvi dizer: Estou ouvindo. Os sibilos e as explosões das bombas junto a mim produziram tal efeito em mim que quando cheguei à estação de rádio com a roupa branca de neve, fui obrigado a tirá-la, pois, o calor era monstro e eu suava por todos os poros. Meus rádio-operadores  perguntavam: O que é que o senhor tem, Sargento? Eu então contei o apuro que tinha passado. Assim continuou minha vida durante todo aquele período de neve. Durante toda a campanha as perdas no serviço radiotelegráfico foram de dois segundos sargentos e um cabo, mortos, e um segundo sargento e um soldado, feridos. Os sargentos mortos pertenciam à Divisão. O sargento, cabo e soldado pertenciam à minha rede. Este cabo morto chamava-se José Pitom. Era noivo e no mês que ele morreu estava fazendo alguma economia com o fim de mandar mil cruzeiros para a noiva e essa vontade nós lhe fizemos. No dia vinte e três de janeiro meu comandante Coronel João de Segadas Viana, ao partir para o Brasil, elogiou-me nos seguintes termos: “Louvo-o pelo esforço com que comigo colaborou no desempenho das missões atribuídas ao 6º R.I. numa demonstração de sã e leal camaradagem, respeito aos seus superiores e compenetração dos seus deveres, levado sempre pelo ardor patriótico de elevar e dignificar o nome do Brasil”.

COMANDANTE AMERICANO ELOGIA 6º REGIMENTO DE INFANTARIA.
No dia dezesseis de fevereiro nosso Regimento (6º Regimento de Infantaria) foi elogiado pelo General J. Clitenbergs, Comandante do 4º Corpo, nos seguintes termos: “O 6º Regimento de Infantaria da 1ª Divisão de Infantaria do Exército que constituiu a vanguarda da F.E.B. na Itália, foi incorporado ao 4º Corpo a 13 de Setembro de 1944 e assumiu a responsabilidade de uma zona de ação na frente do Corpo a 15 de Setembro, substituindo elementos do TAAH-FORCE 45 e do 370º Regimento de Infantaria da 92ª Divisão. A 1º de Novembro o Comandante do 6º RCT foi substituído pelo da 1ª Divisão de Infantaria do Exército, Quartel General da F.E.B. em preparação para lançar o restante da Divisão. Durante este período de 13 de Setembro a 1º de Novembro de 1944, o 6º R.C.T. lutou e perseguiu o inimigo das vizinhanças de Vecchiano através da Linha Gótica até as posições que representam a frente geral do 4º Corpo. Nesta data, sob a direção vigorosa e agressiva do General Euclides Zenóbio da Costa, auxiliado por um Estado Maior capaz, Comandante de Regimento, Cel. João de Segadas Viana e por seus auxiliares Comandantes das Unidades, neste período, primeiro contato das forças brasileiras com o inimigo alemão na Itália, o 6º R.C.T., lutando às vezes contra tensas resistências inimigas, demonstrou entusiasmo e espírito ofensivo, capturando várias localidades importantes e posições chaves, contribuindo grandemente nesta fase de avanço do 4º Corpo, na campanha da Itália. O comando enérgico do 6º RCT por parte do General Zenóbio constituiu uma credencial para as Forças Armadas do Brasil e para as Forças Aliadas, que estão fazendo uma guerra de muitas nações contra o inimigo comum.

MAIS ATAQUES E AS GRANDES CONQUISTAS.
No dia 3 de Março atacamos e conquistamos, apesar de grande resistência inimiga, as localidades de Braine-Roncali e Santa Maria Willians. Continuando o avanço, a 4 ocupamos as cotas 882, 822 e 800 a oeste de Torre de Neroni, ocupamos também no mesmo dia o Monte Delha-Croce. A 5 as cotas 702, 720 e 722, o Monte Soprassasso, onde haviam grandes fortificações e um confortável observatório, dotado de um completo sistema de comunicação. Na noite desse mesmo dia, fizemos setenta e dois prisioneiros, havendo ainda muitos mortos. De nossa parte só perdemos um Cabo. No dia 14 de março deslocamo-nos para Vidiciático. No local que instalei minhas estações de rádio havia um Capitão médico partigiani. Contou-me que um ano atrás tinha fugido de sua  casa em Milano para não morrer,  deixando  naquela cidade sua senhora e uma filhinha, e, com lágrimas nos olhos me mostrou a fotografia de ambas dizendo-me: Sargento, queira Deus que aqueles diabos não as tenham matado. E continuou: Eu era anti-fascista, assim como diversos amigos meus. Tínhamos rádios e dávamos muitas informações aos nossos chefes democratas do sul da Itália. Descobriram-nos e antes que eu fosse fuzilado fugi para as montanhas, juntando-me aos bravos companheiros. Nunca mais tive notícia. Temo por minha mulher e minha filhinha. Os fascistas e nazistas costumavam aprisionar como reféns as senhoras e filhos dos que eles julgavam traidores do regime. Eu o animei dizendo que tinha quase certeza que um caso como o dele, a filhinha e a esposa, o mais que podiam ter sofrido era algumas buscas e interrogatórios e que com certeza estariam com os pais (segundo ele me disse o sogro tinha influências naquela cidade). Embora comigo mesmo tivesse quase certeza que aqueles infelizes talvez não mais existissem, pois, o nazista é o ente mais desumano que existe sobre a Terra. Quando eu estava em Volpromoro foram desenterradas treze pessoas, todas enforcadas com arame farpado e, além disso, metralhadas. Quando descobriam que certa família tinha um membro que era partigiani, toda ela era sacrificada. Se aqui na Itália eles faziam assim, o que não fariam na Polônia, Rússia, França, Bélgica, Holanda e, finalmente, na mais sacrificada, a Grécia. Certo dia ele me perguntou: Sargento, o senhor não sabe explicar porque às ex-unidades fascistas do exército italiano, os Aliados fornecem todo material de cozinha, víveres e tudo enfim que os senhores têm, e a nós, partigiani, que nunca fomos fascistas, que há quase dois anos damos golpes mortíferos nos inimigos e nos escondemos nas montanhas, enquanto nos organizamos para o assalto novamente, só nos dão escatoleta? Eu então disse a ele que esta pagava-nos todo aquele material e víveres, ao passo que eles, partigiani, eram bandos armados que não eram assalariados pela Nação e que nós, Aliados, dávamos aquilo por nossa conta. Ele ficou satisfeito com a explicação e desde esse dia eu comecei a trazer da cozinha, boia para dois. Dias depois eu me despedia dele com destino à Gagio a Montano, onde, durante os dias que ali passei nada houve de anormal. No dia três de Abril segui para Pietra Colona. A cidade estava em minas, a igreja principal que ficava localizada em um monte (onde os alemães tinham instalado um observatório, de onde viam e bombardeavam as viaturas que passavam na ponte de Morano) foi bombardeada pela nossa artilharia e quase todas as imagens estavam quebradas pelos estilhaços. Vi uma de Santo Antonio com o pescoço quebrado, a cabeça pendurada para o lado esquerdo. Olhava-nos dando a impressão de que dizia perdoar o atraso espiritual do homem. Nesta igreja encontramos ainda uma metralhadora anti-aérea dos alemães, pois, eles costumavam colocar peças dentro das igrejas por saberem que nós respeitávamos muito aquelas casas. Nesta mesma data fui louvado pelo Capitão Chefe Orlando Henrique de Araújo, nos seguintes termos: “Os meus louvores pelo auxílio e úteis serviços prestados ao Regimento e particularmente ao Pelotão de Transmissão no desempenho de suas missões”. A seis, foi mandado constar nos meus assentamentos o seguinte: “General Marc Clarck, a pedido da Câmara dos Representantes, unanimemente expressou: Envio-lhe e aos oficiais e praças  de todas as  forças sob o vosso Comando,  nossos  agradecimentos pela esplêndida coragem e magníficas vitórias obtidas no front italiano sob circunstâncias difíceis e que trouxeram glória e prestígio às nossas armas combinadas (a) Ian Rayburn, Skeaker, United States House.

A GRANDE OFENSIVA.
No dia quatorze de abril iniciamos a grande ofensiva às 13.30 horas, com um ataque à Montese, onde o inimigo estava bem organizado em posições que nos dominava completamente. Foi na conquista dessa localidade que perdemos o maior número de homens, desde os primeiros combates. Os alemães empregaram ali, desde o fuzil até os canhões de grosso calibre (250 m/m), porém, apesar de avançar debaixo daquele inferno de ferro e fogo, às 15.50 horas ocupamos aquela cidade e o inimigo deixou no campo grande número de feridos e prisioneiros. Continuamos o avanço em direção a Ravenna, que se estendia para o norte. Durante esse avanço ocupamos quatro cidades, as de Castel d’Aiano, Monte Bolzaro, Sevellano de Aspes e Zocca. Recebemos ordem de seguirmos para as regiões do Rio Panoro e deslocamo-nos para Levizzano, onde aprisionamos um Coronel, um Major e um Capitão médico alemães. A 27 seguimos para Bibiano, onde ocupamos as cidades de Pinacello, Gnossolo, Quatso Castello, San Paolo Denza e Montequin. Durante essa grande ofensiva só funcionou o rádio, visto os grandes avanços. Deixamos em Bibiano uma estação para o P.C.. Segui com o Cabo Guiotti e soldados Wellington e Moreira para Colechio, onde estava se travando o penúltimo combate. O número de prisioneiros era cada vez maior. No dia 27, pela manhã, seguimos para Fornovo, onde os alemães atiravam contra nós. Estávamos naquele inferno e esperávamos a qualquer momento sermos atingidos, mas, também do nosso lado estavam calmos e a nos darem ordens para os Batalhões o General Zenóbio e o Coronel Nelson. Às 21 horas as metralhadoras alemãs cuspiram sobre nós, projéteis luminosos e minutos após lançavam-se contra nós em furiosos contra-ataques, o seu estrebuchar de morte, pois ao repetirmos e conquistarmos mais posições nos mandou nessa mesma noite um parlamentar a fim de se entregarem. Na manhã seguinte (28) o Batalhão de saúde nosso, ia às suas linhas a fim de transportar para o nosso hospital o grande número de feridos alemães. Após a retirada dos feridos, desfilaram um Regimento de Infantaria, três Batalhões, dois grupos de 105 m/m e um de 150 m/m hipomóveis. Desde as 21.00 horas até 01.00 hora da madrugada de 29, eu estive na retaguarda alemã conversando com diversos deles, onde tive oportunidade de saber que aquela Divisão era a que combatia conosco desde Vecchiano, através a Linha Gótica até Fornaci de Borgo e que quando nos transferiram de front ela também nos acompanhou e que finalmente findou se entregando incondicionalmente. No dia 27 nos foram entregues junto ao carro rádio, 48 prisioneiros alemães para que pedíssemos escolta e condução, a fim de conduzi-los para a retaguarda. Todos estavam mortos de fome (segundo me disse um que falava mais ou menos o italiano). Como tivesse sobrado muita comida da manhã juntei com nossas refeições do almoço e distribuímos um pouco para cada um. Aqueles miseráveis causavam-no dó. Muitos deles estavam até remendados. Somente estavam ali quarenta e oito super-homens de Hitler, cabisbaixos, sob a guarda de quatro brasileiros: eu, Cabo Wellinton, Gulotti e Moreira. Eis como descreve o Cruzeiro do Sul de 31 de Maio de 1945: A rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã. Requiescat In Pace, Herói Brasileiro. 




PROFº GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR, PESQUISADOR E ESCRITOR. COORDENADOR TÉCNICO DO MEMORIAL GENERAL JÚLIO MARCONDES SALGADO.
cfgilberto@yahoo.com.br


3 comentários:

  1. Meu tataravô Acioly | 24/04/2014
    Eu sempre ouvi falar do meu tataravô, mas, nunca soube a história da vida dele. Hoje vejo que ele foi e continua sendo um "Herói de Guerra", ou seja, o meu herói! Tenho orgulho de ser um Acioly!
    Miguel Fernandes Acioly Bastos Neto

    "... Nós que retornamos, somos apenas testemunhas de seus atos heróicos". | 24/04/2014
    A família Acioly Bastos, atualmente em Caçapava sente-se honrada pelas memórias publicadas. Em suas descrições, rimos, choramos, nos emocionamos pela linguagem simples e direta em que os fatos são narrados e a forma como a guerra transcorreu para a linha de frente do 6º Regimento de Infantaria de Caçapava. Que Deus o tenha e a todos que pereceram! Meu avô dizia "Herói são aqueles que tombaram. Nós que retornamos somos apenas testemunhas de seus atos heróicos!"
    Júlio Cesar Acioly Bastos - Major da PMESP e neto do Febiano.

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  2. "... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta...". | 27/04/2014
    "... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta...". | 23/04/2014 Sem dúvidas essa frase resume o quão guerreiro e honrado foi o SARGENTO ACIOLY. Esse herói ficará eternizado em nossas memórias!!! Bela atitude do primo Júlio Cesar e todos os que tiveram participação. Essa iniciativa nos fez conhecer ainda mais nossas raízes. Parabéns, Combatente!!!.
    Luiz Vicente Pereira dos Santos

    Um Herói chamado Acioly | 24/04/2014
    Não sou uma Acioly, mas, fui casada com um neto dele. Pena que meu marido Miguel Acioly não teve tempo para ler o diário do seu Manoel. É uma lição de vida muito emocionante esse diário. Não só me emocionou, como minhas filhas e meu neto, que ficou emocionado e incentivado a seguir carreira no Quartel. Ele é um menino de 12 anos, mas, que tem muito orgulho do nome Acioly. Muito obrigada.
    Cláudia de Carvalho Bastos

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  3. A vida pela liberdade da Pátria. | 16/07/2014
    Descoberta da família Pinton em Araras. Caro Professor Gilberto. Após pesquisas, descobri a existência da família do Cabo do Exército Pinton. Trata-se de Antônio Pinton, morto por explosão de uma mina terrestre quando prosseguia de jipe, na região de Morano, Itália, motivo pelo qual solicito possibilidade de correção (de Piton, José Piton, como consta, para Antônio Pinton, o correto). Na sequência vamos divulgar a toda família Pinton de Araras e região, uma vez que era a intenção de meu Avô!!! Obrigado amigo Gilberto por mais essa vitória!
    Júlio Cesar Acyoli Bastos

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