MILITAR
DIÁRIO DE UM HERÓI BRASILEIRO
"... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta".
CONSIDERAÇÕES
“Quis o Senhor do Destino, que decorridos
sessenta e nove anos após o término da Segunda Guerra Mundial, tivesse a grande
honra de ser o escolhido dentre tantos outros escritores de renomes, a
transcrever para a posteridade a epopeia vivida por um herói, o Sargento do
Exército Brasileiro Manoel Acioly Bastos. Seus feitos nos campos de Batalhas e
registrados na historiografia militar foram determinantes para os rumos do
nosso país, culminando com o fim do regime ditatorial imposto à época pelo
Estado Novo e a consequente implantação do regime democrático. Que seus
descendentes se sintam orgulhosos e honrados por tão nobre causa”. Prof°
Gilberto da Costa Ferreira.
DISCURSO
"Pracinhas da Força
Expedicionária Brasileira, vós sois os mais bem-vindos soldados da Terra, pois
que sois os nossos soldados. Perdoai não vos terem deixado marchar, em nome da
emoção que a vossa volta nos causou. Estais finalmente em casa e isso nos entusiasma,
porque voltastes para participar também da grande marcha do Brasil para a
democracia. Honra, e mais honra, e muita honra, que a honra é vossa! Honra a
vós atacantes de Castelnuovo, Monte Castelo e Montese, que propiciastes a
vitória da democracia fora e dentro de nosso país! Honra a vós homens do povo
do Brasil que enfrentastes na neve o fogo do ódio inimigo! Honra, e mais honra,
e mais honra ainda! A cidade vos recebe como os mais queridos filhos. Sede
bem-vindos, pois que sois os mais bem-vindos de todos os soldados de todas as
pátrias, filhos deste solo pacífico, que vistes a morte de face, e que
retornastes para uma pátria feita mais consciente. Bem-vindos pracinhas do
Brasil". (Vinícius de Morais).
ESPERE POR MIM.
"Espere por mim, que voltarei! Mas é preciso que espere
com fé e de todo o coração! Espere por mim, na tristeza infindável dos dias de
chuva. Espere por mim, nas horas uivantes em que a neve cai. Espere por mim, na
ânsia sufocante que vem do calor. Espere por mim, mesmo que todas as outras que
esperam por outros, já tenham cansado de esperar. Espere por mim, espere sim,
que hei de enfrentar a morte ... mas voltarei!. (Konstantin
Simonov).
A PARTIDA E A TRISTE DESPEDIDA.
A 1º de junho de 1944, às 3.30 horas da manhã,
estava eu subindo a escada de bordo do navio transporte americano Gen. Man; no
dia 2, pela manhã, fizemo-nos ao mar; a 1ª Turma de Expedicionários deixava o
porto do Rio de Janeiro com destino ignorado (só conhecia o destino o nosso
comando supremo). Entre eles encontravam-se alguns tristonhos, com certeza os
casados e que tinham filhos, pois, não sabiam se ainda viriam estes entes
queridos. Durante todo o 1º dia de viagem fiquei deitado a ler os métodos de transportes
empregados na guerra moderna, assim como o funcionamento dos novos aparelhos de
campanha, os quais me foram apresentados no centro de instrução especializada
no Rio de Janeiro, durante os dois meses que cursei aquele centro. Junto à
minha cama ficava um meu cabo, radiotelegrafista, o qual infelizmente não
voltará comigo, pois, morreu na região de Morano (Polazzo). Para que seja conhecido por todos que lerem a minha vida no front, deixo aqui o nome deste meu ótimo
auxiliar, que deu a vida pela liberdade, não só de nossa pátria, com o pelo
mundo. Era ele o cabo Piton (José Piton).
A LINHA DO EQUADOR.
No dia seguinte, às oito horas mais ou menos, subi
ao tombadilho, a fim de apreciar o mar e assistir os treinos dos metralhadores
antiaéreos americanos. Todos os dias havia esse exercício: um avião passava
sobre o navio a uns 400 metros de altura rebocando um alvo, sobre o qual a
artilharia antiaérea e as metralhadoras abriam fogo, fazendo-o em pedaços. Era
para nós um ótimo espetáculo e ao mesmo tempo estímulo contra os aviões
inimigos, que porventura viessem-nos atacar quando atingíssemos seus raios de
ação. Logo no outro dia subi novamente ao tombadilho. Aí encontrei o primeiro
peixe, o qual foi transmitido por um cabo que trabalhava junto ao Estado Maior.
Disse-nos ele: - olha, velhinhos, agora mesmo ouvi um major dizer que íamos desembarcar
em Dakar e seguir para os campos onde houveram as diversas batalhas com os
alemães e que passaríamos três meses nos preparando para os campos de
batalha da Europa. Três ou quatro dias depois, um sargento intérprete nosso,
nos disse que o oficial americano tinha dito a outro que íamos a Nápoles,
porém, não acreditamos porque já estávamos saturados de peixes. Ao passarmos
pela Linha do Equador, houve a bordo uma espécie de carnaval, pois, é histórico
na Marinha essa brincadeira. Chamam de batismo: jogam água em todos que
atravessam aquela linha imaginária pela primeira vez. Dias depois houve
novamente a bordo uma pequena festa, motivada pela Independência dos Estados
Unidos, durante a qual nos foram distribuídas dez carteiras de cigarros
“Chesterfield”. Foi-nos foi também permitido comprar algumas gulodices na
cantina de bordo, o que veio salvar a situação de 20% dos nossos companheiros
que estavam de cama, enjoados e que comiam coisa alguma, a não ser doces, maçãs
e chocolates.
AS BOAS VINDAS DO EXÉRCITO AMERICANO E DO POVO
ITALIANO.
A vida a bordo ia se tornando quase monótona,
quando depois de já onze dias de viagem (no dia 13 às 13.40 horas mais ou
menos) se nos apresentou à frente uma espécie de nuvem, a qual foi se tornando
mais negra, ao passo que nos íamos aproximando. Um colega que tinha à mão um
binóculo dirigiu-o naquela direção e gritou com uma alegria como se fosse a de
um náufrago: Terra! Na mesma ocasião todos fizeram ecoar a mesma palavra:
Terra! Do outro lado do navio todos vieram em carreira ver aquela forma de
terra africana (pois, era o continente africano que estávamos vendo, agora a
olho nu). Ao ver nitidamente aquelas costas, me deu a impressão de que eu
estava contemplando uma terra em que jamais choveu. Continuamos ali vendo
vilazinhas brancas à beira do mar, até que horas depois vimos à nossa frente a
grande fortaleza de Gibraltar, porta do Mediterrâneo, que os nossos inimigos
não conseguiram se apoderar. Entramos no Mediterrâneo (cemitério da esquadra de
Mussolini). Agora víamos terra dos dois lados, pois, estava à nossa direita a
tórrida África e à nossa esquerda a incendiada Europa pela política e pelas
tropas aliadas, junto às quais íamos lutar a fim de libertar aquele velho
continente. Na manhã seguinte recebemos pelo alto falante de bordo, o
comunicado do nosso comandante supremo que íamos com destino a Nápoles, tendo
também, nos sido dadas as instruções de como nos devíamos comportar a respeito
de informações para o inimigo. Logo após nos falou também o chefe do serviço de
saúde, nos orientando como proceder a respeito à mulheres daquela grande
cidade. Finalmente na manhã de 16 de junho avistamos Nápoles e à embocadura da
baía vi uma rocha isolada parecidíssima com a cabeça de Mussolini. Dava até a
impressão que algum escultor tinha-a transformada no busto daquele chefe
fascista. Mais adiante, à direita, destacou-se às nossas vistas o Vesúvio com
sua cortina de fumo a encobrir sua cratera. O porto estava então protegido
contra bombardeios aéreos por numerosa barragem de balões cativos. Quando nos
aproximamos do porto casualmente, ao olhar para um destróier que
ia a nossa esquerda, vi que aquela unidade transmitia uma
mensagem ótica ao nosso comando supremo, a qual dizia: “Este comando deseja-lhes
felicidades no desempenho de sua missão”. Neste momento veio ao nosso encontro,
em uma pequena lancha, os correspondentes de guerra brasileiros e os demais
aliados. Ao meio dia mais ou menos, recebemos ordem para desembarcar, e como o
capitão comandante do nosso compartimento não estivesse no momento, assumi o
comando e desembarquei com todos. Numerosos caminhões aguardavam os nossos
sacos “A”. Entregamo-los e entramos em forma, a fim de seguirmos para a estação
e embarcamos para o nosso acampamento. Durante nossa marcha pela cidade ouvimos
diversas vezes os italianos perguntarem se éramos prisioneiros tedescos (nossa
farda assemelha-se muito com a dos nazistas). Ao saberem que éramos
brasileiros, gritavam: Brasilians! ...Brasile é buono, multo café e zuchero,
quando finiche l guerra em vie Brasile, perche muito mangiare el poço labore.
Assim seguimos para a estação, embarcamos em um trem subterrâneo que nos levou
à história desta cidade. Seguimos a pé para o nosso acampamento. Era este
situado numa antiga cratera de um vulcão extinto, onde há muito tempo vinha
sendo o campo de caça do Rei Vittorio Emmanuel. Chegamos ali às cinco horas
mais ou menos. Não tínhamos comido nada, tanto que nos deram as (depois
famosas) rações “MT”, comemos como se fosse uma das melhores comidas Esta ML é
uma lata que contém carne picada, batatinha, abóbora e feijão. Depois que
acabei de comer fui arranjar um lugar para me deitar e passar a noite, o que
encontrei com facilidade. Era uma espécie de balcão. Quando eu estava
estendendo minhas mantas para me deitar, chegou o compadre Sebastião e eu dei
um canto no meu balcão para ele. Deitamo-nos e duas horas depois, mais ou
menos, eu acordei e vi numerosos jatos de luzes a percorrer os céus e momentos
depois ouvi o ronco dos motores de aviões seguidos do troar da artilharia
antiaérea. Eram os alemães que tendo sabido que tínhamos desembarcado em
Nápoles e julgando-nos ainda naquela cidade, vieram nos fazer uma visita, num
esforço supremo para nos desmoralizar. Todos no acampamento acordaram,
sendo grande a algazarra, pois, recebemos aquilo com alegria. Passados uns dez
minutos os aviões inimigos vieram em nossa direção, sendo então perseguidos
pelos projetores e artilharia que guardavam nossa cratera, tanto que voltou
novamente o silêncio ao acampamento. No dia 17 continuamos a comer a velha ML,
pois, só recebemos os fogões e gêneros três dias depois. No dia 18 fui escalado
de ronda de meia noite às três da manhã, e como estivesse sem sono fiquei
conversando com Sizenando e o Paulo, este um estudante de medicina de São
Paulo, que estagiou comigo no Centro de Instrução Especializada no Rio de
Janeiro. À meia noite recebi o serviço e eles foram se deitar. À uma da manhã
eu encontrei com um carro da nossa polícia que andava procurando um louco que
tinha fugido do campo de concentração que ficava vizinho ao nosso acampamento.
Ali havia alemães e italianos fascistas. Disseram-me os policiais: Sargento
fugiu do campo de concentração um alemão. Dizem que está louco e até agora não
o encontramos. O senhor chame alguns homens para nos ajudar a dar uma batida
neste bosque, onde, talvez o encontre. Eu fui até onde estava o plantão e saí
com ele. Procuramos até as três horas da manhã, porém, sem resultado. Ao voltar
entreguei o serviço ao meu colega e avisei-o a respeito do foragido.
A DOENÇA INESPERADA.
Ao me deitar senti uma pequena dor acima do peito,
à direita, a qual quando eu espirrava se prolongava como uma seta até ao final
do pulmão. Ao amanhecer continuava um pouco mais forte. Fui até ao posto médico
e lá recebi algumas pastilhas de cor negra para chupar, a fim de evitar a
tosse, pois, esta já tinha se apresentado. Durante o dia passei um pouco
melhor, porém, à noite foi aumentando de forma tal, que às onze 11 horas já
resistia com grande dificuldade. O compadre Sebastião, que estava comigo na
barraca e notando a minha desinquietação perguntou-me o que eu sentia. Então eu
lhe contei tudo, desde a noite anterior quando a dor tinha se apresentado. À
uma hora senti que quando escarrava ficava em minha boca um sabor esquisito.
Peguei o fósforo, acendi uma vela e grande foi o meu espanto ao ver que em uma
lata onde eu escarrava havia bastante sangue. Às três horas não pude mais
resistir, levantei-me como um louco e segui na escuridão, quase sem poder
andar. Cada passo que dava a dor era tal que eu gemia. Quando encontrei o posto
o capitão médico disse-me: Meu filho! Sinto muito porque nada posso fazer no
momento, nem um copo para aplicar uma ventosa tem aqui. O único remédio que
temos é cafiaspirina. Pegue quatro. Tome duas agora e daqui há duas horas tome
as outras duas. O meu desânimo foi tal que saí dali invetivando em altos meu
comandante, os americanos em tudo enfim sobre a terra. Não pude entrar mais em
minha barraca. Amanheci o dia encostado a uma árvore, pois, já quase não podia
respirar. Às oito horas foi a visita médica e baixei ao hospital imediatamente,
só escarrando sangue. Quando eu segui para o hospital, o meu comandante de
Companhia, Senhor Capitão Castro e Silva seguiu-me e pediu às enfermeiras e
médicos brasileiros que fizessem tudo por mim (segundo me disse uma das
enfermeiras). Que eu era o braço direito dele, tanto que aqui agradeço ao meu
comandante o esforço que fez por mim, para que eu me restabelecesse o mais
breve possível. A gravidade de minha moléstia era tal, que o capitão voltou ao
acampamento mandou que pusessem tudo o que era meu no sol e que desarmasse
minha barraca e que o compadre Sebastião saísse imediatamente daquele local.
Disse mesmo a toda Companhia: Tenho dó do Acioly, um menino tão bom, casado,
com filhos e segundo eu soube ele está tuberculoso. Esta notícia correu
imediatamente todo o acampamento. No hospital fui examinado por um médico
americano que falava bem o espanhol. Disse-me então que eu estava com uma
pneumonia aguda e mandou que me dessem imediatamente oito penicilinas, de
quatro em quatro horas. No outro dia, pela manhã, eu quis fazer a barba, porém,
os enfermeiros não consentiram que eu a fizesse, dizendo-me que eu não podia
fazer esforço. Uma loura chamada Carmen foi quem fez a minha barba e uma
massagem em cima do pulmão. Passei ainda este dia e o outro escarrando sangue,
porém, já no quarto dia meu escarro tinha a cor de tijolo e no quinto dia o
escarro era normal. Passei mais quatro dias em observação e repouso, tendo tido
alta no dia 28 de agosto, sob o espanto geral das enfermeiras e médicos,
dizendo eles que ainda não tinham visto um restabelecimento tão rápido como o
meu, pois, no mesmo hospital havia diversos companheiros meus que tinham
baixado ao hospital de bordo durante a viagem com pneumonia e que não era tão
grave quanto a minha. Durante minha estadia no hospital escrevi várias cartas à
Filhinha, dizendo que continuava com saúde; pedi a ela que mandasse todos os
meses uma fotografia dela com as crianças, pois tinha receio que procedesse
como eu. Quando cheguei ao acampamento a admiração foi geral, pois, lá corria a
notícia que eu tinha morrido.
COMEÇAM OS AVANÇOS.
No dia 2 de agosto, às 5 horas, abandonamos a velha
cratera. Ficava ela situada a 4 quilômetros do novo acampamento e seguimos com
destino a Litoria, onde chegamos às 20.00 horas. Esperava-nos na estação um
comboio rodoviário americano. Embarcamos e seguimos às 23 horas com destino a
Fornari, ao sul da Tarquínia, aonde chegamos às 08.00 horas da manhã seguinte.
Durante essa viagem vi diversas cidades completamente arrasadas. Não se via uma
única casa intacta. Ao passar em Roma notei que não havia destruição. Assim que
cheguei ao acampamento cuidei de armar minha barraca e como eu estava com minha
turma de rádios telegrafistas já separada, juntei minha barraca à do Cabo
Gulati e Soldado Wellington. Nesta época recebíamos o velho cigarro estoura
peito (Yolanda) e como não pudesse fumá-lo, jogávamos o sete e meio com eles.
Era essa a única diversão nossa. Nas imediações do acampamento era perigoso
andarmos porque havia muitas minas. A uns 200 metros da nossa barraca tinha
diversos túmulos de alemães. A oeste, a uns 400 metros, ficava o cemitério
militar dos aliados. Passados alguns dias recebemos o material de transmissão.
Cuidei então do preparo dos meus rádios telegrafistas. Um domingo eu combinei
com o Telmo (era o chefe técnico das transmissões) para irmos a Tarquínia
(distava do acampamento dois quilômetros mais ou menos) visitarmos a cidade e
conhecer as obras de arte, pois, aquela cidade é milionária. Munimo-nos de
ração M1 (escapoletos, como chamam os italianos) e partimos dispostos a
passarmos todo o dia passeando. Assim que chegamos à cidade uns 15 ou 20
garotos nos acompanharam pedindo caramelos e chocolate. Como tínhamos levado
desta gulodice distribuímos à gurizada. Quando estava escrevendo esta página
chegou à porta de minha barraca um garoto e me pediu alguma coisa para comer,
pois, estava com forme. Como eu tinha uns biscoitos, pão e carne que tinha
trazido do rancho, mandei-o que se sentasse e que comesse. Perguntei quantos
anos tinha. Tenho oito. Tem mamma e babbo? Não. Como se chama? – Antonio. E
continuou dizendo que vivia com a tia e que a mamma e o babbo tinham morrido na
guerra. Então eu pensei nos meus filhinhos e minha esposa e juntou-me lágrimas
nos olhos. Antonio foi embora e jamais esquecerei aquela criança que Mussolini
infelicitou. Andamos visitando igreja e museus. O último museu que visitamos
tinha sido atingido por uma bomba aérea aliada, tendo danificado diversas
esculturas. Perguntamos ao administrador do mesmo como tinha caído aquela bomba
ali. Ele então nos explicou que onde tinha sido atingido era onde estava o
quartel general alemão e que diversos oficiais superiores nazistas tinham
perecido. Adiantou-nos ainda que patriotas italianos tivessem dado aos aliados
a localização do referido Q.G. Já era mais ou menos uma e meia da tarde
quando chegamos em frente a um forno (padaria). Entramos para comprar uns pães.
Começamos a conversar com o proprietário, acendemos um cigarro e oferecemos um
àquele senhor. A alegria dele foi tanta, pois, não havia cigarros na Itália,
que imediatamente nos convidou para almoçar. A princípio não aceitamos, porém,
tanto insistiu que acabamos aceitando. Demos a ele as rações para fortificar o
manjar e almoçamos como governadores. Às 15 horas mais ou menos saímos para
percorrer algumas ruas que não conhecíamos ainda e finalmente às 17 horas
seguimos para o nosso acampamento. No outro dia pela manhã, formados, seguimos
para o nosso Q.G., a fim de treinarmos a Canção das Américas, pois, íamos ser
incorporados ao 5º Exército e receberíamos a visita do General Mark Clark, mais
2 generais e 20 oficiais do seu Estado Maior. No dia 14 de Junho fomos incorporados
ao 5º Exército. No dia 21 nos deslocamos para Veda (nesta época já tínhamos
recebido nossas viaturas, armamento e material de transmissão). Acampamos em
Fazenda Barabino, aonde chegamos no dia 22. À 1.30 horas da manhã assim que
cheguei em Veda, comecei com meus radiotelegrafistas uma rigorosa instrução,
tendo também que aprender a dirigir jipes de ¼ de tonelada, pois, eram esses
nossos carros médios. Um dia de domingo, à tarde, peguei um jipe-rádio e segui
com alguns companheiros até a praia para tomarmos banho de mar. No local onde
fui era justamente onde as tropas aliadas tinham desembarcado, tanto que em
vários locais havia grande quantidade de minas, várias fortificações alemãs,
havendo ainda, em uma, um canhão avariado. Entramos no mar e resolvemos dar
umas braçadas. A uns 400 metros, mais ou menos, vimos uma lancha que estava
somente com o mastro e um pedaço de proa fora d’água, pois, com certeza
tinha sido avariada. Seguimos para ali aonde chegamos muito cansados. Durante o
trajeto abrimos os olhos n’água e vimos o estrago que as bombas aéreas tinham
feito naquela praia. Quando voltamos, o Luiz (era meu companheiro) não
encontrou as botinas, pois, os italianos tinham “Portado via o par de escarpe”
do Luiz. Rimos muito e ele teve de ir para o acampamento descalço. No dia 28 o
regimento, a fim de cumprir ordem do General Marck Clarck (Comandante do 5º
Exército) me mandou estagiar no front ao sul de Pisa. Neste mesmo dia, às 06.30
horas da manhã, eu, diversos sargentos e oficiais, seguimos de caminhões,
chegando ao Quartel General às 11.30 horas. Fomos recebidos pelo General
Comandante, o qual nos disse: “Estamos orgulhosos em receber-vos como
estagiários em nossa Divisão. Sei que cumprireis as missões que vos for
confiada. Sejam felizes e que Deus os proteja”. Separei-me dos meus
companheiros e segui para o 338º Regimento Americano, onde me apresentei ao
Comandante, sendo em seguida encostado-se àquela Unidade. O Comandante chamou
um Cabo (o George, no qual encontrei um grande companheiro). Tenho ainda, como
recordação dele um dicionário de espanhol-inglês, que ele me ofereceu. Falava
ele muito bem o espanhol. Segui com ele até onde se encontravam os aparelhos
telegráficos. Fiquei ali como observador durante três dias, assumindo depois a
chefia dos rádios operadores americanos. No dia seguinte fui submetido a um
exame de exploração, recepção e transmissão, tendo os oficiais de transmissão
americanos ficados satisfeitos, tendo dito, Very good. Depois o George me disse
que eles ficaram admirados em me ver transmitir com as duas mãos e sem variar a
cadência. Continuei trabalhando todas as noites. Os aviões inimigos nos
visitaram e distribuíram à doida, várias rajadas, as quais, durante os dias que
ali estive matou numa noite, um americano e deixou dois feridos. Em outro dia
feriu dois. A artilharia sempre nos bombardeava, tanto que logo me acostumei
com o barulho. Nossos sargentos de fuzileiros, que também foram estagiar, em
uma patrulha em que tomaram parte, fizeram vários prisioneiros alemães, os
quais ficaram bastante admirados quando viram que eram brasileiros e disseram:
“Sabíamos que já existiam tropas brasileiras aqui na Itália, porém, no front,
não”. Dias depois houve ordem para regressarmos. Assim que cheguei à minha
Unidade (que se encontrava em Veda-Barabino), tratei de por em prática com meus
radiotelegrafistas os métodos e artimanhas que tinha aprendido naquela Unidade
americana. No dia 8 de setembro fui elogiado pelo senhor General Comandante do
Grupamento Tático, nos seguintes termos: “Louvo-o pelo esforço, dedicação e
amor ao trabalho, onde tem se revelado desde a partida da F.E.B. , colaborando
para que essa Força representa dignamente nosso país nos campos de luta da
Europa”. No dia 13 de setembro deslocamo-nos para Ospedaletto, onde acampamos,
ficando já ali na segunda linha. À noite, saí com os dois carros-rádios com
quatro operadores em cada um, a fim de se verificar as dificuldades em se
transmitir e se receber em marcha. Voltamos às 23.30 horas mais ou menos. No
dia seguinte distribuí os rádios-operadores aos órgãos regimentais e fiquei com
duas equipes no R.I., uma trabalhava na rede interna (rede dos batalhões) e
outra na rede externa (rede de Divisão). No outro dia, pela manhã, seguimos
para as orlas noroeste de Vecchiano. Assim que cheguei, recebi do Quartel de
Transmissões 1º Tem. Alexandrino os códigos, prefixos e cumprimentos de onde e
com quem íamos trabalhar. Extraí de tudo aquilo o que interessava aos tenentes
e mandei àquela Unidade, nesse mesmo dia, pondo imediatamente as redes em
funcionamento. Na noite do dia seguinte (16/09), substituímos o 334º Regimento
de Infantaria Americano, onde nos foi confiado um setor de 4.800 metros,
recebendo a missão de progredir para o norte; a 17, atacamos o inimigo e
conquistamos as cidades de Mossarosa, Vivali, Vila Force e Piazzano; a 18,
Costagnari, São Martino, Fredna C., Pelágio, Cusa, Terrari, Cassiana,
Mntagrati, Cota 404, Vila Del Canestrano e C. di Calicelo. Nesse dia me
desloquei junto com o Comandante para a cidade de Mossorosa, levando comigo SOS
dois jipes rádios.
GENERAL ZENÓBIO E A MÃO AMIGA.
Como já eram 3.30 horas da tarde e eu ainda não
tivesse comido, saí para o quintal a procurar alguma fruta que me matasse a
fome. Descobri uma figueira e tratei de comer alguns figos. Estava eu
saboreando alguns, quando ouvi passos às minhas costas. Ao mesmo tempo uma voz
me perguntava se eram boas. Ao virar encontrei-me em presença de S.Excia.
General Zenóbio, ao qual respondi: “Não são muito bons, mas dá para matar a
fome, Excia. E ele baixou um galho e começou a colher as frutas, comendo-as,
como se estivesse em jejum. Perguntou: Do qual estado você é? – Sou de
Pernambuco. Como está aqui no setor?. Porque vim de meu estado em 1934.
Sempre tem servido em Caçapava? – Não senhor, servi também no 5º G.A.Ce na 5ª
Bia. C. – Você não é de Infantaria? – Sou, Excia, porém, servi naquela mesma
arma por ser radiotelegrafista. Quantos anos têm de serviço? – Mais de 10,
porém, é possível logo que chegue ao Brasil, se voltar, ser licenciado. Não
quer continuar no Exército? – Queria Excia, porém, sou sargento de depois da
lei e por isso não estou amparado. – Bem, não se incomode. Você não será
licenciado, pois, não é justo que um sargento com mais de 10 anos de serviço,
que deixou mulher e filhos (pois, eu tinha dito a ele que era casado e tinha
três filhos), vindo arriscar a vida pela Pátria no estrangeiro, voltando
depois, cansado, já desambientado da vida civil, ser jogado na rua. É somente
isso que você queria? – Não Excia., se fosse possível
eu queria, se voltar ao Brasil, ir para o mesmo lugar que estava, à
Fortaleza de Itaipu. – Bem, se voltarmos você se apresenta logo que chegarmos.
Eu lhe darei um cartão para o chefe de serviço rádio do Exército. Muito
agradecido, Excia. Comemos mais alguns figos, pedi licença para me retirar, a
fim de observar meu serviço.
A LINHA GÓTICA E AS SUCESSIVAS CONQUISTAS.
A 19, atacamos Camoiare e a ocupamos, pois, o nosso
ímpeto era tal que não dava tempo do inimigo se organizar. Esta cidade ficava
situada entre as primeiras montanhas que constituíram a famosa linha gótica;
dia 20, Straguano, Anticiano, Fabiano, Bazzano e Cota 564; dia 24, Tacigliano,
embora sob pesado fogo inimigo; no dia 25 atacamos as organizações defensivas
inimigas nos montes Acutos, Velinoni e Garupa de Batani, conquistando-as na
tarde desse mesmo dia, obrigando o inimigo retirar-se para o norte; dia 26,
Monteplano; dia 27 Zopeglia e Fianza; dia 28, Convale, Vila Buona, Terracia
Prazzovelo e Pescaglia; e, no dia 30 a cidade de Borgo a Mozzano. Nesse mesmo
dia, à noite, o major do serviço de espionagem se encarregou de uma missão
especial, pois, teve informações que na cidade de Tacigliano havia um cômodo no
3º andar de certo prédio, que à noite transmitia sinais Morse óticos. Eu tinha
de ir com três soldados àquela cidade, receber a mensagem transmitida e
aprisionar quem estivesse no citado prédio, e se caso resistissem à prisão eu
devia abrir fogo e trazê-los vivos ou mortos. Perguntei aos meus rádios
telegrafistas: Quem quer ir comigo? Apresentaram-se o Bueno, o Amélio e o
Wellington. Pequei 1.500 tiros, coloquei no jipe e fui até onde estava o major,
buscar o mapa da região. Grande foi minha surpresa ao ver no mapa a localização
daquela cidade, pois, ficava além da nossa linha de frente, cinco quilômetros.
Eu fiz ver ao major que era impossíveis quatro homens em um jipe irem até
aquela cidade, pois, toda aquela zona ainda estava ocupada pelo exército
alemão. Foi então que o major descobriu que aquele lugar ainda não era “terra
de ninguém”, tanto que a felicidade minha e de meus três companheiros foi eu
estar a par de toda a frente, agradecendo isto ao ser radiotelegrafista e
conhecer todas as cidades que tinham sido ocupadas até aquele momento. Foi
dada, então, última ordem naquela missão. No dia seguinte, pela manhã, segui
com o comando para o novo P.C. em Margiano. Ali instalei as duas estações de
rádio a uns quinhentos metros do P.C., a fim de livrar o mesmo (caso o rádio
nos localizasse) da artilharia inimiga. No dia seguinte vi os primeiros
prisioneiros alemães que fizemos, pois, até o dia anterior não tínhamos
conseguido aprisionar nenhum. Estes eram rapazes de 20 a 28 anos. Entre eles
havia um francês. Comeram conosco, demos-lhes cigarros e dois que falavam mais
ou menos o italiano, inclusive o francês, disse-nos que estavam cansados da
guerra e que não julgavam que os brasileiros fossem tão bons assim. Finalmente,
foram conduzidos para um jipe e transportados para o Q.G. Em virtude da
distância que ficamos do P.C., tive de instalar uma guarda com meus rádios
operadores, pois, ficamos fora do círculo de segurança e podíamos a qualquer
hora sermos surpreendidos por patrulhas inimigas. Tornou-se para nós um período
exaustivo. As duas estações funcionavam dia e noite e meu pessoal era pouco. Passei
em Magiano oito dias mais ou menos, seguindo depois para Volpiomaro, tendo
instalado em uma casa próxima a uma ponte e distante da zona de segurança do
P.C.. Ali o serviço piorou, pois, estávamos operando nas montanhas que formavam
a “linha gótica”. O alcance do rádio era ínfimo e para não paralisar as
comunicações eu tive de destacar um carro para fazer uma ponte entre os
batalhões e o Regimento de Infantaria. No dia seis de outubro conquistamos a
cidade de Fornaci e a onze a de Barga. No dia doze, pela manhã, chegou uma
mulher à estação de rádios nos disse ter encontrado próximo ao nosso ponto,
quatro alemães. Armei-me com minha carabina, mandei dois soldados por trás da
casa onde estávamos e que tinha uma grande elevação coberta por castanheiros e macegas.
Segui pelo outro lado, atravessei um pequeno rio e subi a elevação. Batemos
todo aquele monte durante uma hora mais ou menos, porém, sem resultados. Depois
soubemos que eles tinham sido presos, disfarçados à paisana. Nesse mesmo dia,
segui para Borgo a Mozzano, a fim de procurar lugar para instalar minhas
estações. Os alemães em sua retirada tinham destruído os dois túneis da estrada
que ia a Borgo a Mozzano, a fim de retardar nosso avanço, tanto que fui de jipe
até à boca do primeiro túnel e daí por diante, a pé. Quando cheguei à boca do
túnel encontrei um pelotão sob o comando do Tenente Machado, desobstruindo-o.
Havia uma pequena brecha por onde me meti. O tenente me disse para eu ter
cuidado, pois, havia muitas minas. Disse-me um soldado: - Sargento, há pouco
tempo umas pessoas que vieram apanhar castanhas fizeram explodir uma mina,
tendo uma mocinha perdido uma perna e um garoto que estava perto dela ficou
ferido com estilhaços nos ombros e nas pernas. Eu agradeci a informação e segui
por aquela fresta agarrando-me pelas pedras para descer até à boca do túnel. Do
teto caíam pingos d’água. Assim que saí do outro lado vi então as organizações
alemãs: longas redes de arame, casamatas subterrâneas para alojamento de
companhias e material, bases para canhões de cimento armado, estando estas
adotadas às bocas dos subterrâneos. As defesas em arame farpado contra nossa
Infantaria eram lastros em todas as extensões das montanhas com quinze metros
de largura e com distâncias de um lastro para outro de cinquenta a cem metros.
Passei o outro túnel. Estavam também com uns vinte metros de extensão areados.
Consegui entrar nele com dificuldade. Quando saí do outro lado já eram 5.30
horas da tarde. Adiante, a estrada estava interrompida por uma ponte que os
alemães haviam dinamitado. Abandonei a estrada, entrei pelo castanhal,
atravessei um brejo e peguei a estrada do outro lado. Já estava escurecendo
quando ao longe divisei um grupo composto por cinco ou seis homens de calças
curtas, parados no centro da estrada e justamente onde o castanhal cobria quase
a rodagem. Peguei minha carabina, pus bala na agulha e conduzi-a pronto para
abrir fogo, pois, em plena Linha Gótica tomada por nós há poucos dias eu tive a
impressão de que fossem alemães que vinham descendo das montanhas. Ao se
aproximar do grupo, um dos homens disse aos outros: Es brasilian. E dirigiu-se
para mim dizendo: Buona será, paisano. Tien uns cigarrets?. Ao mesmo tempo eu
ouvi uma voz feminina do lado de cima da estrada que dizia: Prendere uno, per
me bobo. Eu então reconheci neles italianos, dei cigarros a todos e seguimos
juntos para Borgo e Mozzano, aonde chegamos às 07.30 horas da noite. Sentia
bastante fome, pois, saíra antes do almoço. Às 09.00 horas mais ou menos chegou
um jipe guiado pelo meu Oficial de transmissões, o qual me disse não haver mais
necessidade pó enquanto, visto o Comando não poder se deslocar porque as
estradas continuavam obstruídas e a picada que nossa engenharia tinha
terminado, só podia passar jipes. Tomei o carro e segui com o Tenente para
Volpronaro. Foi uma jornada penosa. Havia diversos carros tombados, inclusive
um trator. À picada, além de atolar (estávamos no inverso) havia declives de 60
e 70º e em muitos lugares até mais. Tínhamos de fazer esses percursos com os
faróis apagados. Afinal chegamos à meia noite mais ou menos. Fui direto ao
rancho, pois, estava com uma fome horrível. Arranjei um pedaço de pão e uns
ovos fritos, que tinham sobrado do jantar dos Oficiais (minha Companhia, apesar
de estarmos em pleno combate ainda mantinha uma cozinha especial para os
Oficiais), enquanto que os Oficiais americanos entravam na fila para pegarem a
mesma “boia” dos soldados. Assisti isso quando estagiei no 338º Regimento de
Infantaria. Segui para a estação de rádio. Minha sentinela estava alerta e meu
operador na escuta (quando estavam cansados se revezavam entre si). Perguntei
se havia algo de anormal e me responderam que não. Entrei e me deitei. Em
frente a estação de rádio havia uma casa onde residia uma velhinha de 72 anos.
Disse-me ela ser retirante de Livorno, que tinha um filho prisioneiro e que era
viúva de um Marechal da Itália, morto três anos antes. Disse-me também que
passava necessidade, pois, a pensão que recebia não dava para
alimentar-se. Eu então, todos os dias pegava comida do rancho para ela. Quando
eu chegava ela dizia: Nona venga prendere o manjare aspeta uno poço filholo.
Abria a porta e com passos trôpegos e lágrimas nos olhos recebia a comida.
Quando eu me desloquei para Borgo a Mozzano, ela chorando disse-me: I oniente
tengo per ti regalare e ma prendere queste libro. E uno ricordo de mi parte.
Quando cheguei a Borgo a Mozzano me instalei em um prédio que tinha sido
atingido pela nossa artilharia.
UM MENINO E AS LEMBRANÇAS DA FAMÍLIA.
Ao descer de meu jipe veio ao meu encontro um
garoto na pessoa do qual tive a impressão de ver meu filhinho, pois, a
fisionomia, tamanho e desenvoltura eram idênticas. Abracei o pirralho com
lágrimas nos olhos, dei-lhe uns chocolates e subi com ele até o local onde ia
instalar as estações de rádio. Desde esse dia nos fizemos amigos. Ele me levou
até o apartamento onde se encontrava sua mãe. Esta então me contou que o seu
marido há dois anos que não o via, pois era capitão médico do Exército Italiano
e não sabia se era vivo ou morto. Vivia esta senhora em companhia de uma
velhinha, sua mãe e de uma irmã solteirona. Quase sempre minhas refeições eram
feitas com eles, pois, o garoto me prendia muito àquele apartamento.
OS ALEMÃES ATACAM.
Cinco ou seis dias depois, a fim de carregar a
bateria de um carro que estava fraca, peguei o respectivo jipe e saí em direção
à “Linha Gótica”, seguido de um rádio operador, o Moreira. No caminho três
soldados fizeram sinal. Eu parei o jipe e perguntei o que havia. Um deles então
me disse: Sargento, nós vamos atrás de uma escolta que conduz uns prisioneiros
para o Q.G. Será que o senhor nos pode conduzir até a cidade vizinha? Talvez
ainda estejam lá. Eu mandei que eles subissem no carro e segui para a
respectiva cidade. Porém, quando chegamos lá, já a escolta tinha saído. Fiz a
volta, e, eles então, continuaram no carro dizendo-me que vinham apresentar-se
no P.C. . Acelerei, vinha com uma velocidade de 50 quilômetros mais ou menos
quando o carro fez zig-zag. Ouvi gritos agoniados a chamar por santos. Uma roda
saltou para o lado direito e finalmente eu deitado em cima dela. Levantei-me,
corri para o carro que se encontrava emborcado a ouvir ainda uma voz
angustiada, que dizia: Tirem-me daqui pelo amor de Deus. Era um dos soldados
que eu tinha pegado no caminho. Um jipe com umas peças do Pelotão de
Reconhecimento, que chegava nessa ocasião, nos ajudou a tirá-lo debaixo do
carro. Colocamo-lo imediatamente no outro jipe e seguimos com os feridos para o
posto médico. Os feridos eram: eu, o Cabo Trujilo, o rapaz que ficou debaixo do
carro e um companheiro dele. O carro do desastre chamava-se Caçapava. A causa
foi ter a roda dianteira escapada. Chegamos ao posto médico, fizemos os
curativos necessários, tendo o soldado que ficou debaixo do carro baixado ao
hospital com fratura de bacia. Quando regressei ao posto médico encontrei
Sizenando e Laet que me convidaram para tirarmos uma fotografia (a primeira na
Itália). Tirei a chapa e dias depois a mandei para casa. Passei uns quinze dias
com uma mancha roxa sobre o peito, pois, quando saltei do carro o volante da
direção quase me prendeu ao veículo. No dia seguinte o Tenente Alexandrino foi
até a estação rádio e me disse que eu escalasse um cabo e seis soldados para
fazerem um serviço de segurança numa ponte que ligava a Vila de Fornaci à de
Borga. Nesta ponte havia um trecho de uns quinze metros mais ou menos destruída
por bombas alemãs. A vila e a cidade de Borga eram diariamente bombardeadas
pela artilharia inimiga e a ponte com um trecho de estrada de uns trezentos
metros era alvo incessante, pois, ficavam sob a vista do observatório alemão.
Eu (como sempre fazia) pedi ao Tenente para ir ao lugar do Cabo, fazendo-o ver
que instalaria o serviço melhor e que qualquer missão dada aos seus rádios
operadores eu devia ser sempre o primeiro a cumprir (segundo meu modo de pensar
o chefe deve estar sempre à frente de seus subordinados, a fim de orientá-los,
livrando-os assim de muitos perigos). Finalmente concordou. Puz os rádios
operadores em forma e perguntei quem queria ir comigo (nunca gostei de designar
os homens para certas missões, com medo que lhes sucedesse alguma coisa e eu
ficasse no inferno). Para mim a consciência tranquila é o céu e a
intranquilidade desta é o inferno. Todos se ofereceram e seguiram comigo os
primeiros seis. Tomamos dois jipes, colocamos nossas mantas e armas dentre
deles e seguimos, inclusive o Tenente. Ao atingirmos as primeiras casas de Vila
Fornaci desencadeou um forte bombardeio. Saltamos dos jipes, mandamos os motoristas
com os operadores procurarem abrigos e esconderem os carros. Segui com o
Tenente em direção ao local que estava sendo bombardeado. Quando chegamos a uns
oitenta metros ouvimos um sibilo. Só nos deu tempo de jogarmo-nos no chão,
junto à parede de uma casa. Ouvimos uma pancada junto a nós. O tenente estirou
o braço e me apresentou um estilhaço ainda insuportável em nossas mãos pela
quentura. Olhamo-nos e rimos com o sorriso que deve ter um louco perante a
morte. Caíram mais de doze bombas, depois se fez o silêncio. Levantamo-nos e
seguimos em direção à ponte atravessando as hortas e pomares das diversas casas
abandonadas e em minas andávamos com cautela, pois ainda havia muitas minas e
bomba trape. Ao chegarmos próximos à ponte não pudemos conter o riso, pois,
encontramos com o Sargento Moacir (Doidinho) igual a um porco quando sai do
lameiro. Rimos tanto que choramos, inclusive ele. Contou-nos ele que o
bombardeio tinha-o alcançado junto à ponte e que tinha dado três lances dentro
daquela levada e nos apontou a mesma, vendo-as ainda os lugares onde havia se
deitado. Atravessamos a ponte que tinha uns cento e cinquenta 150 metros e
fomos procurar um local que satisfizesse ao serviço e à segurança (se possível)
do pessoal e dos meus radiotelegrafistas. Finalmente descobri a uns cento e
oitenta metros da ponte uma casa que resistia bem umas quatro ou cinco bombas.
Aí fiz meu Q.G. . Cavamos um Fox-roll a uns quarenta metros da ponte para
abrigar dos estilhaços o homem que estivesse de serviço. Voltamos para o outro
lado. Arranjei outra casa a uns duzentos e cinquenta metros da ponte. Mandei
cavar outro Fox-roll a uns dez metros de casa para instalar o outro homem de
serviço. Em cada Fox-roll instalei um telefone. Os carros só atravessavam a
ponte quando se avisava pelo telefone, a fim de não haver encontro entre os
citados veículos, pois, dias atrás tinha havido um abalroamento à noite,
próximo à ponte, ficando as duas máquinas quase imprestáveis, havendo também
diversos feridos. De um posto telefônico a outro, os carros eram obrigados a
percorrerem em grande velocidade, pois, ficavam completamente sob a vista dos
alemães e quase sempre ao atravessar carros ou tropa eles desencadeavam uma
chuva de bombas até quando lhes desaparecia do objetivo (vários soldados foram
feridos naquele trecho). Neste mesmo dia, às 04.30 horas da tarde, ao seguir um
jipe com destino à ponte, uma saraivada de bombas caiu sobre o mesmo e meu
radiotelegrafista se salvou milagrosamente, pois, a primeira bomba caiu no
local onde ele se encontrava. Ao cessar o bombardeio eu corri para lá. Ele
ainda estava sem sangue nas faces, porém, calmo. A me ver disse: Sargento, só
sinto meu cachimbo. Eu caí por cima dele e foi uma pena. Quando ele ouviu o
sibilo, pulou para trás duma pequena boeira, ficando porém, o fuzil, com uma
parte exposta, a qual estava toda perfurada pelos estilhaços inclusive o
fundo do depósito. Este soldado era o mais franzino e menor da turma, tanto que
os companheiros o batizaram de bambino (menino). Chamava-se José Pereira da
Silva (conhecido por Zequinha). É um jacareiense. Durante toda a campanha nunca
o vi demonstrar medo ou reclamar serviço. Deixo aqui a ele meu eterno
reconhecimento pelo espírito de dedicação, disciplina e amor ao trabalho,
ajudando-me por todos os meios ao cumprimento das minhas missões. No dia
seguinte, às 09.00 horas, eu atravessei a ponte para Fornaci, a fim de ir tomar
café (não queria arriscar o jipe e o motorista às bombas alemãs). Atravessando
a ponte homem a homem eles não iam perder uma bomba com um alvo tão pequeno. Se
o jipe atravessasse a ponte era certeza os alemães jogarem algumas amêndoas
nele. Quando me aproximei do posto, vi, com grande surpresa, três carros
grandes parados aquém do referido posto e na altura em que se encontravam era perfeitamente
vistos do observatório inimigo. Corri para eles, a fim de salvar tanto os
carros como os tripulantes. Gritei: Saiam imediatamente daí que os alemães vão
atirar. Os motoristas ligaram as máquinas e dirigiram-se à toda, a fim de
atravessarem aquele trecho de estrada observada e a ponte. Peguei o primeiro
carro. Ia-o dirigindo um Capitão. A seu lado vinha um reverendo e na carroceria
um grupo de combate. Quando chegamos a uns oitenta metros da ponte começaram a
cair bombas. Eu pulei do carro e dei um lance de uns vinte metros. Levantei-me
e dei outro, indo cair numa boeira. Aí abrigado olhei para a estrada. Os carros
estavam parados e os tripulantes em debandada. Neste momento o que mais nos
preocupa é nos afastarmos o mais possível em menos tempos dos carros, pois
sabemos que os tiros são dirigidos a eles. O reverendo lançava-se ao chão aos
sibilos das balas, como se fosse um verdadeiro veterano. Gritei para eles:
Reverendo, venha para aqui e quando ele caiu dentro da boleira onde eu estava
não pude conter a gargalhada. Estava idêntico ao sargento que eu e o tenente
tínhamos encontrado no dia anterior. Ele olhou-me espantado (julgou que eu
tinha enlouquecido) e disse-me: Porque ri, filho, e não se lembra de Deus numa
hora horrível destas? Porém, quanto mais ele falava mais eu ria, pois, não
podia olhar a cara dele e o fardamento. Via-o ainda às carreiras, e jogando-se
da mesma levada onde se lambuzara o sargento. As bombas continuaram a cair,
porém, não chegaram a enquadrar as máquinas com tiros precisos, pois, apareceu
um avião de reconhecimento e eles calaram as peças para não serem descobertas
as bases de seus canhões. Subimos para o carro e então contei ao reverendo o
bombardeio do dia anterior. Falei sobre o sargento todo lambuzado como ele e que
esse era o motivo porque eu ria. Ele riu também e seguiu com o capitão para
rezar uma missa em Borgo. Passei ali naquela ponte dez dias. Era raro o dia em
que eu não tinha necessidade de fazer parte daquele percurso por lances.
UMA ESPIÃ ITALIANA CAPTURADA.
Um dia antes ao regressar a Borgo a Mozzano eu me
encontrava no posto de Fornaci. Eram quatro horas mais ou menos. O Comandante
do 1º Batalhão tinha mandado uma guarda para ali, a fim de controlar a passagem
dos italianos , pois, era grande a espionagem. Na manhã deste mesmo dia
tínhamos prendido uma garota de uns dezoito anos. Vinha ela com um saco de
castanhas à cabeça. Pelo vestuário e pela fisionomia notou-se que a mesma não
podia andar a colher castanhas e mesmo por já termos notícias de que ela vivia
antes com os alemães, tanto que ao atravessar a ponte um soldado lhe pediu
algumas castanhas. Ela arreou o saco e mandou que tirasse. Ele pegou o saco
pelos pernis e despejou todas as castanhas. A moça tentou impedir, porém, o
saco já estava vazio nas mãos do pracinha e em cima do monte de castanhas
apareceu um papel, no qual ela tinha traçado um croquis localizando todas as
nossas peças de artilharia. Mandaram-na para p P.C. do R.I.. Ali chegando ela
confessou que de fato trabalhava para os alemães, que continuaria e que eles
haviam de vencer. Como os praças tivessem feito um pequeno agrupamento em
frente à casa onde estávamos, os alemães nos mandaram vinte e três bombas no
espaço de dois minutos. Corremos para dentro de casa. As bombas choviam ao
redor e em cima. Derrubaram o segundo andar e atingiram o primeiro, porém,
estávamos no térreo. Toda a casa estremecia, os pendentes elétricos balançavam
de um lado para outro, os estilhaços arrebentavam as portas e as janelas,
enterrando-se nas paredes. Não nos atingiram porque estávamos deitados, colados
ao chão. Cada sibilo de bomba, gritávamos: é agora! Outros diziam: Sargento, se
continuarem assim é pena. Finalmente eles viram que o teto da casa tinha voado
pelos ares e cessaram o bombardeio. Durante aqueles doze dias que passei ali,
foram vítimas dos bombardeios uma mocinha, que morreu instantaneamente, pois,
ficou quase cortada pela cintura, uma velha que perdeu o braço e um garotinho
que ficou sem uma perna. Quando o estilhaço tirou a perna do garoto, achava-se
com ele um soldado, o qual nada sofreu. Pôs o garoto nos braços e correu para
um posto de emergência, onde o garotinho recebeu os socorros de urgência, sendo
imediatamente transportado para o hospital. Como já fazia doze dias que eu
estava naquele inferno e não tivesse ainda resolvido voltar, o tenente mandou
um cabo me substituir, mandando dizer-me por ele que tinha grande necessidade
da minha presença em Borgo a Mozzano. Mediante aquela ordem eu segui. Assim que
cheguei me apresentei ao tenente. Ele disse-me que eu fizesse um programa de
instrução para os rádios operadores que não estivessem de serviço, montasse os
T.G. – 5 (aparelhos de telegrafia). Eu conheci que aquilo era apenas um motivo
para que eu não continuasse na ponte. Passamos alguns dias ainda em Borgo a
Mazzano, tendo depois me deslocado para Chivizzano, onde instalei minhas
estações próximas a uma antiga igreja, da qual soube uma história interessante,
contada por uma família da casa onde estavam instaladas as estações de rádio.
Disse-me um velho italiano: “Havia aqui neste país (cidade), nos tempos de meus
bisavós, uma senhora muito rica e católica. Dava todos os meses parte de sua
renda à igreja e tinha estudo tal qual um padre. O seu maior desejo era dizer
uma missa, tanto que em uma ocasião ela se dirigiu ao papa e lhe pediu
autorização para dizer uma missa. O papa então respondeu que lhe dava licença
para dizer missa, porém, só quando ela construísse doze igrejas e que só podia
construir uma por ano e que só diria missa na última igreja construída. Esta
senhora então aceitou e a primeira igreja construída por ela é esta que o
senhor vê aí. Porém, esta senhora não chegou a dizer nenhuma missa. Quando
construiu onze igrejas morreu de súbito. Tanto que esta igreja é muito visitada
pelas famílias católicas, até de países estrangeiros”.
O AMOR PELA FAMÍLIA E UM AMOR NÃO CORRESPONDIDO.
Eu dormia em uma casa de um espanhol, cuja família
era composta de três rapazes e uma garota de dezoito anos. Arranjaram-me um
quarto confortável. A garota todas as manhãs ia me acordar levando água morna
para eu banhar a faixa, como dizia ela em seu italiano. Um dia ela me disse: Eu
queria tanto casar-me com um brasileiro. São tão bons, alegres, amáveis e
respeitadores. É o homem que eu gosto. – Quantos anos tem, Zina? – Dezoito. –
É, estás em idade de casar, pois, minha senhora quando se casou tinha quatorze
anos e meio. – Bugia, tu non es sposato: - Sou sim, tenho três filhos. Queres
ver? – Si. Peguei minha maleta, abri-a e mostrei a ela as fotografias da
Filhinha e dos três garotos. Mesmo assim ela me disse: Io non credere. Lei e
vestra serela io sono vestros impates. (Eu não creio. Ela é vossa irmã e eles
são vossos sobrinhos). E continuou dizendo que todo italiano sabia que no
corpo expedicionário brasileiro só haviam casados alguns oficiais e que os
demais eram solteiros. Eu então lhe mostrei uma carta na qual Filhinha
terminava dizendo: Os beijos e as saudades de tua esposa e filhos. Crês agora,
Zina? – Si”. Dias depois recebemos ordem para seguirmos para outro front, perto
de Bolonha. Ao me despedir choraram, e um irmão de Zina, engenheiro arquiteto,
me fez presente (para que eu me recordasse da família) de uma planta que ele
fez quando era estudante na cidade de Lieras, a qual está no meu arquivo de
recordações de guerra. Foi um dia de domingo, pela manhã (05 de novembro de
1944) que me despedi daquela boa família, com destino à Porreta, cidade situada
há poucas milhas a sudoeste de Bolonha.
BOMBARDEIOS ALEMÃES: INFERNO EM VIDA.
Chegamos ali à meia noite e meia. Enrolei-me com a
minha manta e a barraca e deitei-me. Às cinco horas da manhã, quando me
levantei, notei que naquela região havia neve, pois, em minha barraca havia uma
pequena camada e os jipes estavam brancos. Como estivesse com muita fome,
peguei minha marmita e saí à procura de uma cozinha, onde pudesse encher o
estômago. Há um quilômetro mais ou menos do lugar onde eu dormira, estavam
entregando a boia. Eu entrei na fila. Brasilian? Yes. (E matei a fome). Quando
cheguei ao local em que dormimos, o Penha (um sargento amigo meu que trabalhava
comigo na estação de rádio de Caçapava e que durante a campanha na Itália
chefiou o Centro de MSGS) me perguntou: De onde vens? – Fui pegar a boia com os
americanos. – Diabo rapaz, estou com uma fome de cães. Não tem importância.
Vamos montar nesse jipe e procurar cozinhas. Saímos e há uns três quilômetros
mais ou menos encontramos uma cozinha brasileira. Era a cozinha da Quinta
Companhia e o sargento do rancho era o velho amigo Bandeira. Pegamos a boia,
proseamos alguns minutos e voltamos para onde estava a companhia. Às quatro
horas desse mesmo dia segui para Morano, povoado localizado a uns oito
quilômetros de Porreta e à leste. Vários trechos da estrada que a ligava
estavam sendo batidos pela artilharia alemã. Aquém da entrada da vila existia
uma ponte que foi construída pelos americanos (a verdadeira ponte foi destruída
pelos bombardeios aéreos aliados quando ainda em mão dos alemães) e o acesso à
mesma era observado pelos inimigos, de um monte chamado Soprassosso, tanto que
ao aproximarmos da referida ponte caiu sobre nós uma chuva de bombas.
Abandonamos os jipes e caímos em uma levada, até que cessou o bombardeio e
partimos a toda velocidade até onde devia ficar o P.C.M.. Nessa época o oficial
já era o Capitão Orlando Henrique de Araújo e ele mandou que eu procurasse um
local para instalar as estações de rádios. A uns cento e cinquenta metros do
P.C. havia uma casa de um andar, o qual eu ocupei com meu pessoal. Como eu
passei quase quatro meses naquela casa, vou descrever como estavam ocupados os
diversos cômodos: no único andar havia quatro quartos grandes, um pequeno, um
corredor e uma privada. Nos dois quartos de frente ficaram os meus rádio-
operadores: ao do centro (pequeno) eu fiquei e nos de trás ficaram, no da
esquerda as estações e no da direita a cantina do senhor Vittório (era o nome
do dono do prédio). Embaixo, à frente e à esquerda, a sala de jantar e a
cozinha, à direita o quarto do velho e sua filha Luciana (uma garota de
dezesseis anos que um 2º Capitão alemão tinha levado até uma cidade vizinha
chamada Santa Maria, ficando aí dezoito dias, até que conseguiu fugir). Na
parte de trás ficava um moinho, havendo ainda junto ao mesmo uma puxada, onde
ficou instalada nossa cozinha, cujos cozinheiros, cabos, soldados, deixo aqui
os nomes como reconhecimento pelo que fizeram por mim. Eram eles, 2º Sargento
Basílio, Cabos Eliezer e Virgílio, soldados Barboza, Simões, Pedro, Adriano e
João. Às oito horas começou o bombardeio, tendo a maior parte dos rádios
telegrafistas, descido à disparada com suas mantas a procurar abrigo no velho
moinho. Só ficaram comigo dois ou três, embora os sibilos das bombas que
passavam junto ao telhado da casa não nos convidassem a permanecer ali. Como eu
já estava habituado aos bombardeios, às onze horas mais ou menos dormi, não
sabendo a que horas o suspenderam. Durante o tempo que passei ali, nunca houve
um dia que não fôssemos bombardeados duas, três e até quatro vezes ao dia. À
noite nunca nos faltou, inclusive uma vez ou outra incursões de aviões, tendo
meu amigo Sargento Cesar, morrido em uma dessas incursões quando foi
bombardeado o prédio onde ele se encontrava. A ponte era bombardeada
constantemente, porque nessa zona os únicos que foram atingidos por eles foram
duas mulheres, uma que morreu, uma que focou ferida, uma moça, uma garotinha e
um velho, em casa de quem, aos domingos, almoçava. Conheci-o porquê ele tinha
um filho que era partigiani e que se tornou muito meu amigo. Recebemos aquele
front com a missão de conservarmos, isto é, conservarmos os alemães em suas
posições até que chegasse a primavera, quando então iríamos à ofensiva geral.
Rara era a semana em que os inimigos não nos atacavam duas ou três vezes e nós
resistíamos. O inimigo recuava sempre, deixando sempre mortos, feridos e
prisioneiros. De nossa parte também havia mortos e feridos, porém, em número
muito menor. Continuamos assim com estas escaramuças até o dia vinte e dois de
novembro, quando recebemos ordem (pela primeira vez) para repousarmos numa
cidade vizinha chamada Granaglioni. Veio nos substituir o 1º Regimento de
Infantaria Leão Sampaio. Ensinamos-lhe como deviam proceder com os alemães, com
suas artimanhas, seus ataques, suas patrulhas de reconhecimento e muitas outras
coisas que eles empregavam e seguimos para a cidade onde devíamos repousar.
Infelizmente, poucos dias depois eu me encontrava em Firenze, quando, às sete
horas da noite chegou um caminhão grande, a fim de transportar para o front eu
e alguns companheiros que estavam naquela cidade. O motorista nos contou em tão
que os alemães haviam atacado aquele nosso setor (que havíamos deixado nas mãos
do 1º R.I.) e que meu Regimento já o tinha substituído. Ficamos com os cães com
aquela unidade por não aguentar a mão pelo menos enquanto descansávamos, porém,
depois nos conformamos. Eles eram recrutas... Tomamos o caminhão e seguimos
para aquela casa do moinho, onde encontrei meus rádio-operadores já em
atividade, sob a chefia do meu substituto, Cabo Guloti. Assumi minhas funções,
minha Unidade já havia contra-atacado os alemães e retomado posições. Dias
depois veio a neve e andávamos sobre o gelo. Um dia, como eu tivesse
necessidade de verificar o alcance SCR 511 naquela zona (o alcance do rádio varia
de acordo com a topografia do terreno), saí com um na direção de Polazzo.
Quando atingi a crista militar de uma elevação que ficava a dois mil metros e
poucos e ao norte do meu P.C., peguei o aparelho e comecei a chamar o III
Batalhão. Assim que este respondeu, eu só tive tempo e dizer: Companheiro, o
pau está quebrando em cima de mim. E saí embalando morro abaixo. Ainda o ouvi
dizer: Estou ouvindo. Os sibilos e as explosões das bombas junto a mim
produziram tal efeito em mim que quando cheguei à estação de rádio com a roupa
branca de neve, fui obrigado a tirá-la, pois, o calor era monstro e eu suava
por todos os poros. Meus rádio-operadores perguntavam: O que é que o
senhor tem, Sargento? Eu então contei o apuro que tinha passado. Assim continuou
minha vida durante todo aquele período de neve. Durante toda a campanha as
perdas no serviço radiotelegráfico foram de dois segundos sargentos e um cabo,
mortos, e um segundo sargento e um soldado, feridos. Os sargentos mortos
pertenciam à Divisão. O sargento, cabo e soldado pertenciam à minha rede. Este
cabo morto chamava-se José Pitom. Era noivo e no mês que ele morreu estava
fazendo alguma economia com o fim de mandar mil cruzeiros para a noiva e essa
vontade nós lhe fizemos. No dia vinte e três de janeiro meu comandante Coronel
João de Segadas Viana, ao partir para o Brasil, elogiou-me nos seguintes
termos: “Louvo-o pelo esforço com que comigo colaborou no desempenho das
missões atribuídas ao 6º R.I. numa demonstração de sã e leal camaradagem,
respeito aos seus superiores e compenetração dos seus deveres, levado sempre
pelo ardor patriótico de elevar e dignificar o nome do Brasil”.
COMANDANTE AMERICANO ELOGIA 6º REGIMENTO DE
INFANTARIA.
No dia dezesseis de fevereiro nosso Regimento (6º
Regimento de Infantaria) foi elogiado pelo General J. Clitenbergs, Comandante
do 4º Corpo, nos seguintes termos: “O 6º Regimento de Infantaria da 1ª Divisão
de Infantaria do Exército que constituiu a vanguarda da F.E.B. na Itália, foi
incorporado ao 4º Corpo a 13 de Setembro de 1944 e assumiu a responsabilidade
de uma zona de ação na frente do Corpo a 15 de Setembro, substituindo elementos
do TAAH-FORCE 45 e do 370º Regimento de Infantaria da 92ª Divisão. A 1º de
Novembro o Comandante do 6º RCT foi substituído pelo da 1ª Divisão de
Infantaria do Exército, Quartel General da F.E.B. em preparação para lançar o
restante da Divisão. Durante este período de 13 de Setembro a 1º de Novembro de
1944, o 6º R.C.T. lutou e perseguiu o inimigo das vizinhanças de Vecchiano
através da Linha Gótica até as posições que representam a frente geral do 4º
Corpo. Nesta data, sob a direção vigorosa e agressiva do General Euclides
Zenóbio da Costa, auxiliado por um Estado Maior capaz, Comandante de Regimento,
Cel. João de Segadas Viana e por seus auxiliares Comandantes das Unidades,
neste período, primeiro contato das forças brasileiras com o inimigo alemão na
Itália, o 6º R.C.T., lutando às vezes contra tensas resistências inimigas,
demonstrou entusiasmo e espírito ofensivo, capturando várias localidades
importantes e posições chaves, contribuindo grandemente nesta fase de avanço do
4º Corpo, na campanha da Itália. O comando enérgico do 6º RCT por parte do
General Zenóbio constituiu uma credencial para as Forças Armadas do Brasil e
para as Forças Aliadas, que estão fazendo uma guerra de muitas nações contra o
inimigo comum.
MAIS ATAQUES E AS GRANDES CONQUISTAS.
No dia 3 de Março atacamos e conquistamos, apesar
de grande resistência inimiga, as localidades de Braine-Roncali e Santa Maria
Willians. Continuando o avanço, a 4 ocupamos as cotas 882, 822 e 800 a oeste de
Torre de Neroni, ocupamos também no mesmo dia o Monte Delha-Croce. A 5 as cotas
702, 720 e 722, o Monte Soprassasso, onde haviam grandes fortificações e um
confortável observatório, dotado de um completo sistema de comunicação. Na
noite desse mesmo dia, fizemos setenta e dois prisioneiros, havendo ainda
muitos mortos. De nossa parte só perdemos um Cabo. No dia 14 de março
deslocamo-nos para Vidiciático. No local que instalei minhas estações de rádio
havia um Capitão médico partigiani. Contou-me que um ano atrás tinha fugido de
sua casa em Milano para não morrer, deixando naquela cidade
sua senhora e uma filhinha, e, com lágrimas nos olhos me mostrou a fotografia
de ambas dizendo-me: Sargento, queira Deus que aqueles diabos não as tenham
matado. E continuou: Eu era anti-fascista, assim como diversos amigos meus.
Tínhamos rádios e dávamos muitas informações aos nossos chefes democratas do
sul da Itália. Descobriram-nos e antes que eu fosse fuzilado fugi para as
montanhas, juntando-me aos bravos companheiros. Nunca mais tive notícia. Temo
por minha mulher e minha filhinha. Os fascistas e nazistas costumavam
aprisionar como reféns as senhoras e filhos dos que eles julgavam traidores do
regime. Eu o animei dizendo que tinha quase certeza que um caso como o dele, a
filhinha e a esposa, o mais que podiam ter sofrido era algumas buscas e
interrogatórios e que com certeza estariam com os pais (segundo ele me disse o
sogro tinha influências naquela cidade). Embora comigo mesmo tivesse quase
certeza que aqueles infelizes talvez não mais existissem, pois, o nazista é o
ente mais desumano que existe sobre a Terra. Quando eu estava em Volpromoro
foram desenterradas treze pessoas, todas enforcadas com arame farpado e, além
disso, metralhadas. Quando descobriam que certa família tinha um membro que era
partigiani, toda ela era sacrificada. Se aqui na Itália eles faziam assim, o
que não fariam na Polônia, Rússia, França, Bélgica, Holanda e, finalmente, na mais
sacrificada, a Grécia. Certo dia ele me perguntou: Sargento, o senhor não sabe
explicar porque às ex-unidades fascistas do exército italiano, os Aliados
fornecem todo material de cozinha, víveres e tudo enfim que os senhores têm, e
a nós, partigiani, que nunca fomos fascistas, que há quase dois anos damos
golpes mortíferos nos inimigos e nos escondemos nas montanhas, enquanto nos
organizamos para o assalto novamente, só nos dão escatoleta? Eu então disse a
ele que esta pagava-nos todo aquele material e víveres, ao passo que eles,
partigiani, eram bandos armados que não eram assalariados pela Nação e que nós,
Aliados, dávamos aquilo por nossa conta. Ele ficou satisfeito com a explicação
e desde esse dia eu comecei a trazer da cozinha, boia para dois. Dias depois eu
me despedia dele com destino à Gagio a Montano, onde, durante os dias que ali
passei nada houve de anormal. No dia três de Abril segui para Pietra Colona. A
cidade estava em minas, a igreja principal que ficava localizada em um monte
(onde os alemães tinham instalado um observatório, de onde viam e bombardeavam
as viaturas que passavam na ponte de Morano) foi bombardeada pela nossa
artilharia e quase todas as imagens estavam quebradas pelos estilhaços. Vi uma
de Santo Antonio com o pescoço quebrado, a cabeça pendurada para o lado
esquerdo. Olhava-nos dando a impressão de que dizia perdoar o atraso espiritual
do homem. Nesta igreja encontramos ainda uma metralhadora anti-aérea dos
alemães, pois, eles costumavam colocar peças dentro das igrejas por saberem que
nós respeitávamos muito aquelas casas. Nesta mesma data fui louvado pelo
Capitão Chefe Orlando Henrique de Araújo, nos seguintes termos: “Os meus
louvores pelo auxílio e úteis serviços prestados ao Regimento e particularmente
ao Pelotão de Transmissão no desempenho de suas missões”. A seis, foi mandado
constar nos meus assentamentos o seguinte: “General Marc Clarck, a pedido da
Câmara dos Representantes, unanimemente expressou: Envio-lhe e aos oficiais e
praças de todas as forças sob o vosso Comando, nossos
agradecimentos pela esplêndida coragem e magníficas vitórias obtidas no
front italiano sob circunstâncias difíceis e que trouxeram glória e prestígio
às nossas armas combinadas (a) Ian Rayburn, Skeaker, United States House.
A GRANDE OFENSIVA.
No dia quatorze de abril iniciamos a grande
ofensiva às 13.30 horas, com um ataque à Montese, onde o inimigo estava bem
organizado em posições que nos dominava completamente. Foi na conquista dessa
localidade que perdemos o maior número de homens, desde os primeiros combates.
Os alemães empregaram ali, desde o fuzil até os canhões de grosso calibre (250
m/m), porém, apesar de avançar debaixo daquele inferno de ferro e fogo, às
15.50 horas ocupamos aquela cidade e o inimigo deixou no campo grande número de
feridos e prisioneiros. Continuamos o avanço em direção a Ravenna, que se
estendia para o norte. Durante esse avanço ocupamos quatro cidades, as de
Castel d’Aiano, Monte Bolzaro, Sevellano de Aspes e Zocca. Recebemos ordem de
seguirmos para as regiões do Rio Panoro e deslocamo-nos para Levizzano, onde
aprisionamos um Coronel, um Major e um Capitão médico alemães. A 27 seguimos
para Bibiano, onde ocupamos as cidades de Pinacello, Gnossolo, Quatso Castello,
San Paolo Denza e Montequin. Durante essa grande ofensiva só funcionou o rádio,
visto os grandes avanços. Deixamos em Bibiano uma estação para o P.C.. Segui
com o Cabo Guiotti e soldados Wellington e Moreira para Colechio, onde estava
se travando o penúltimo combate. O número de prisioneiros era cada vez maior.
No dia 27, pela manhã, seguimos para Fornovo, onde os alemães atiravam contra
nós. Estávamos naquele inferno e esperávamos a qualquer momento sermos
atingidos, mas, também do nosso lado estavam calmos e a nos darem ordens para
os Batalhões o General Zenóbio e o Coronel Nelson. Às 21 horas as metralhadoras
alemãs cuspiram sobre nós, projéteis luminosos e minutos após lançavam-se
contra nós em furiosos contra-ataques, o seu estrebuchar de morte, pois ao
repetirmos e conquistarmos mais posições nos mandou nessa mesma noite um
parlamentar a fim de se entregarem. Na manhã seguinte (28) o Batalhão de saúde
nosso, ia às suas linhas a fim de transportar para o nosso hospital o grande
número de feridos alemães. Após a retirada dos feridos, desfilaram um Regimento
de Infantaria, três Batalhões, dois grupos de 105 m/m e um de 150 m/m
hipomóveis. Desde as 21.00 horas até 01.00 hora da madrugada de 29, eu estive
na retaguarda alemã conversando com diversos deles, onde tive oportunidade de
saber que aquela Divisão era a que combatia conosco desde Vecchiano, através a
Linha Gótica até Fornaci de Borgo e que quando nos transferiram de front ela
também nos acompanhou e que finalmente findou se entregando incondicionalmente.
No dia 27 nos foram entregues junto ao carro rádio, 48 prisioneiros alemães
para que pedíssemos escolta e condução, a fim de conduzi-los para a retaguarda.
Todos estavam mortos de fome (segundo me disse um que falava mais ou menos o
italiano). Como tivesse sobrado muita comida da manhã juntei com nossas
refeições do almoço e distribuímos um pouco para cada um. Aqueles miseráveis
causavam-no dó. Muitos deles estavam até remendados. Somente estavam ali
quarenta e oito super-homens de Hitler, cabisbaixos, sob a guarda de quatro
brasileiros: eu, Cabo Wellinton, Gulotti e Moreira. Eis como descreve o
Cruzeiro do Sul de 31 de Maio de 1945: A rendição da 148ª Divisão de Infantaria
Alemã. Requiescat In Pace, Herói Brasileiro.
PROFº
GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR, PESQUISADOR E ESCRITOR. COORDENADOR
TÉCNICO DO MEMORIAL GENERAL JÚLIO MARCONDES SALGADO.
cfgilberto@yahoo.com.br
Meu tataravô Acioly | 24/04/2014
ResponderExcluirEu sempre ouvi falar do meu tataravô, mas, nunca soube a história da vida dele. Hoje vejo que ele foi e continua sendo um "Herói de Guerra", ou seja, o meu herói! Tenho orgulho de ser um Acioly!
Miguel Fernandes Acioly Bastos Neto
"... Nós que retornamos, somos apenas testemunhas de seus atos heróicos". | 24/04/2014
A família Acioly Bastos, atualmente em Caçapava sente-se honrada pelas memórias publicadas. Em suas descrições, rimos, choramos, nos emocionamos pela linguagem simples e direta em que os fatos são narrados e a forma como a guerra transcorreu para a linha de frente do 6º Regimento de Infantaria de Caçapava. Que Deus o tenha e a todos que pereceram! Meu avô dizia "Herói são aqueles que tombaram. Nós que retornamos somos apenas testemunhas de seus atos heróicos!"
Júlio Cesar Acioly Bastos - Major da PMESP e neto do Febiano.
"... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta...". | 27/04/2014
ResponderExcluir"... Mas, se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta...". | 23/04/2014 Sem dúvidas essa frase resume o quão guerreiro e honrado foi o SARGENTO ACIOLY. Esse herói ficará eternizado em nossas memórias!!! Bela atitude do primo Júlio Cesar e todos os que tiveram participação. Essa iniciativa nos fez conhecer ainda mais nossas raízes. Parabéns, Combatente!!!.
Luiz Vicente Pereira dos Santos
Um Herói chamado Acioly | 24/04/2014
Não sou uma Acioly, mas, fui casada com um neto dele. Pena que meu marido Miguel Acioly não teve tempo para ler o diário do seu Manoel. É uma lição de vida muito emocionante esse diário. Não só me emocionou, como minhas filhas e meu neto, que ficou emocionado e incentivado a seguir carreira no Quartel. Ele é um menino de 12 anos, mas, que tem muito orgulho do nome Acioly. Muito obrigada.
Cláudia de Carvalho Bastos
ResponderExcluirA vida pela liberdade da Pátria. | 16/07/2014
Descoberta da família Pinton em Araras. Caro Professor Gilberto. Após pesquisas, descobri a existência da família do Cabo do Exército Pinton. Trata-se de Antônio Pinton, morto por explosão de uma mina terrestre quando prosseguia de jipe, na região de Morano, Itália, motivo pelo qual solicito possibilidade de correção (de Piton, José Piton, como consta, para Antônio Pinton, o correto). Na sequência vamos divulgar a toda família Pinton de Araras e região, uma vez que era a intenção de meu Avô!!! Obrigado amigo Gilberto por mais essa vitória!
Júlio Cesar Acyoli Bastos